sábado, 19 de março de 2011

Mistérios existem até para céticos, diz diretor de As Mães de Chico Xavier

Christian Costa /Cineclick

Um elenco de peso, formado por Caio Blat (Bróder), Paulo Goulart Filho (Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito), Gabriel Pontes, Gustavo Falcão (Praça Saens Peña), Via Negromonte (Cabeça a Prêmio) e Vanessa Gerbelli (Sem Controle), além dos diretores Glauber Filho e Halder Gomes, do produtor Leonardo Leal e do escritor Marcel Souto Maior, conversara com a imprensa na sexta-feira sobre As Mães de Chico Xavier.A abertura da mesa se deu com Marcel, que escreveu o livro Por Trás do Véu de Ísis, no qual o longa se baseia. O autor elogiou a atuação de Caio Blat, que o interpretou, e falou sobre as dificuldades para quebrar o “pavor de jornalista” que Chico Xavier tinha. O escritor elogiou o filme, que em sua opinião expôs o que “Chico lutou a vida inteira para testemunhar”.Para o diretor Glauber Filho, o grande desafio da produção foi fazer um filme melhor e com mais estrutura que Bezerra de Menezes: O Diário de um Espírito, filme anterior da Estação Luz Filmes. Ele disse que a primeira inspiração para o projeto veio quando viu um documentário sobre as cartas que Chico psicografava. “Buscamos uma estética mais voltada para o cotidiano”, disse o cineasta sobre a maior diferença para a cinebiografia Chico Xavier, filmada por Daniel Filho.Blat entrou na conversa após a menção de Bezerra de Menezes, dizendo que finalmente teve a chance de fazer um longa inteiro com a equipe após sua “participação relâmpago” na produção no papel de um militar. “Era uma dívida pessoal”, brincou Glauber Filho sobre a necessidade de trabalhar de novo com Blat, ganhador do último Kikito de Ouro no Festival de Gramado por Bróder.
Via Negromonte, que foi casada por 23 anos com o ator Nelson Xavier (que repete aqui sua mediúnica performance como Chico Xavier), afirma que o filme não é centrado no espiritismo. “Tive medo que fosse um filme de militância”, comentou sobre o momento em que soube do projeto. A atriz diz que aceitou papel assim que percebeu que não se tratava de um filme sobre religião, mas sim sobre perda.


Gabriel Pontes é abraçado por Via Negromonte durante o brunch promocional de As Mães de Chico Xavier

Caio Blat também defendeu o filme como não-doutrinário. “Existem diversos filmes americanos com temática espírita, que não se vendem assim”, comentou antes de exemplificar citando Ghost – Do Outro Lado da Vida, O Sexto Sentido e Além da Eternidade como produções que envolvem espíritos, mas sem limitar sua história a isso.Halder Gomes fez diversas intervenções cômicas ao longo do evento. Ao comentar a pré-estreia do dia anterior (17/3), que ocorreu em Porto Alegre, o cineasta descreveu que os gaúchos fizeram muita força para não chorar. “Era uma orquestra de fungadas”, disse ele adicionando que muitos vinham abraçá-lo aos prantos após a sessão.


Caio Blat interpreta Karl, um jornalista em busca da verdade por trás das cartas de Chico Xavier

O ator mirim Gabriel Pontes, que no filme está prestes a completar cinco anos, também divertiu a coletiva ao sair da mesa no meio de uma resposta e ir ao fundo da sala para falar com sua mãe. Também causou risos quando foi perguntado sobre a morte de seu personagem. "O que importava é 'estar aqui vivo'", brincou. A equipe elogiou o garoto, mesmo admitindo que, de vez em quando, ele decidia não atuar. “Às vezes ele cismava no set”, disse Halder. “E com a mãe do lado, não podia dar cascudo”, brincou causando risos na sala.Com exceção do produtor, toda equipe comentou que não é espírita, embora tenha crenças. Souto Maior admitiu ser ateu e disse: “A minha fé não é consolidada. É cheia de altos e baixos.” Blat disse que não frequenta centros, embora já tenha lido livros de Allan Kardec. “É uma responsabilidade que ainda não abracei”, afirmou. Já Gomes disse que não tem “disciplina para ter religião” e que “mistérios existem, não importa o quanto sejamos céticos”. Ele comentou o sincretismo brasileiro, comparando-o ao fato de muitos no país torcerem para dois times.Via Negromonte falou que não é espírita, mas é “espiritualizada”. A atriz comentou o câncer que Nelson Xavier enfrentou e como a doença regrediu após o uso de terapias alternativas, como a meditação e pensamento positivo, considerando o feito “um grande milagre”.Foi perguntado à equipe suas opiniões sobre o aborto, devido às mensagens contrárias à prática que aparecem no filme. Glauber Filho disse que a Estação Luz é ligada a ONGs, inclusive organizações contra o aborto e que as frases mais literais vieram por “determinação de um dos apoiadores”. O diretor se colocou à favor do debate, com aspectos religiosos e científicos. Para o produtor Leonardo Leal, “é impossível defender a vida sem entrar no assunto do aborto e do suicídio”.


Glauber Filho conversando durante o brunch promocional de As Mães de Chico Xavier

A equipe disse que pretende lançar o filme no exterior, principalmente na América Latina, mas não deu detalhes sobre os possíveis países. Sobre a intenção do autor em fazer novos livros sobre espiritismo, ele comentou: “Há 15 anos eu digo que não vou voltar à questão, mas não consigo mudar de assunto.” Ele tem atualmente três projetos inacabados sobre outros temas. Já a Estação Luz disse que planeja adaptar O Céu e O Inferno, de Kardec, para as telonas.
As Mães de Chico Xavier estreia em 400 salas brasileiras em 1º de abril.
AS MÃES DE CHICO XAVIER
Nota Cineclick
Heitor Augusto
As Mães de Chico Xavier As Mães de Chico Xavier não é de maneira alguma inocente em suas afirmações. Um filme conectado com o seu mercado, que desenvolve nas entrelinhas seus argumentos. Em vez de apelar para a razão, prefere a emoção e a comoção.
Os surpreendentes 550 mil espectadores para as 40 cópias de Bezerra de Menezes – Diário de Um Espírito provaram, em 2008, que existe um nicho, mesmo que finito, para ficções que se relacionam em algum grau com a doutrina espírita. Desde então, tivemos produções de maior (Chico Xavier) ou menor (Nosso Lar) aptidão cinematográfica. Em comum, todas foram sucessos de bilheteria. É nesse filão que As Mães de Chico Xavier se insere: um filme que enxerga quem veio antes e busca todos os mecanismos para chegar ao seu público. Mas como faz isso?Primeiramente, focando as mães. Quem não se identifica com a dor materna, seja ela espírita, umbandista, torcedora do Corinthians ou do Fortaleza? Em seguida, optando por convenções narrativas do que seria uma abordagem sensível de um tema doloroso.Depois, relacionando as três mães a um personagem que, se não é unânime do ponto de vista religioso, tem respeitabilidade dos brasileiros como um homem de bem. No filme, Chico Xavier entra como um Messias a trazer a paz que falta.
Esse conjunto de escolhas – e muitas outras que não vale dissecar para não perder o fio da meada deste texto – faz de As Mães de Chico Xavier um filme com chances claras de encontrar seu público específico.
Verdade: jornalismo e cinema
Ao lidar cinematograficamente com situações delicadas, o filme de Glauber Filho e Halder Gomes (Cadáveres 2) exagera na câmera lenta ou na recorrência da música. Boas intenções – que não dão certo – para atender a expectativa de como deve ser um “filme sensível”.Se é simplista em algumas escolhas, As Mães de Chico Xavier faz uma complicada operação no valor da verdade na crença religiosa. Ruth (Via Negromonte) se culpa porque o filho é viciado em drogas; Elisa (Vanessa Gerbelli) é apaixonada por Theo, seu garoto de cinco anos; Lara (Tainá Müller), professora primária, acaba de descobrir que está grávida. As três mulheres, em algum momento, entrarão em contato com Chico Xavier.Já Caio Blat interpreta Karl, um jornalista curioso que pretende investigar a veracidade do trabalho do médium. Irônico, Chico vira para o moço e diz “que sou apenas um meio, converse com as mães, elas têm as histórias”. Karl segue o conselho e vai atrás dessas histórias.A partir daí o jornalismo, que lida com os fatos e a construção da verdade, se une ao cinema, arte que desperta o sensorial. Quando realiza esta complicada e sutil junção, As Mães de Chico Xavier chega à sofisticação do convencimento: o filme tem ao seu lado a representação da imprensa, que imputa veracidade ao trabalho de Chico, e os recursos dramáticos e emotivos do cinema. Nas entrelinhas, As Mães de Chico Xavier transforma razão e emoção em uma coisa só. Como cereja do bolo na sua argumentação, o filme insere os letreiros de algo que se tornou praticamente indicador de filme de sucesso: “baseado em fatos reais”. É o ponto final para entrar bem no mercado: se não conseguiu convencer um espírita ou um espectador disposto a se emocionar, o filme fala de um fato “verdadeiro”, algo que tem se tornado a quimera do cinema brasileiro – seja ele em produções espírita ou de uma prostituta como Bruna Surfistinha.Por isso que As Mães de Chico Xavier não é um filme ingênuo. Feito redondinho para atender as expectativas de um nicho, o que lhe dá limitações cinematográficas, mas com uma brecha ideológica que permite buscar outros públicos. Filme que, desde o começo, tenta se encaixar inteiramente no mercado, deixando pretensões artísticas em segundo plano.
Como cinema, essa produção representa uma evolução em relação ao trabalho anterior de Glauber Filho, o também espírita Bezerra de Menezes. Mas não dá para dizer o mesmo do codiretor Halder Gomes, que se deu tão bem realizando filmes autorais de guerrilha que invariavelmente falam de paixão, seja pelo cinema (Cine Holiúdy – O Artista Contra o Cabra do Mal) ou pelo futebol (Loucos de Futebol).O cinema brasileiro ainda não encontrou, na ficção, como aliar um discurso proselitista espírita com eficiente realização cinematográfica. Nem sei se os filmes feitos ou que virão tem esta pretensão. Ainda bem. Imagina se o cinema passasse a servir o proselitismo?

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