quarta-feira, 13 de maio de 2015

SADOVSKI-Mad Max: Estrada da Fúria deixa a coisa feia para o resto do cinema de ação

Mad Max: Estrada da Fúria me deixou fisicamente esgotado. Logo de cara: você precisa ver o filme de George Miller no cinema com a tela mais gigante e o som mais estrondoso. Segundo, você precisa ver o filme. Simples assim. Poucas vezes expectativa e realidade se encontram com harmonia tão brutal. A volta de Max Rockatansky para os cinemas três décadas depois de Além da Cúpula do Trovão faz com que todos os filmes de ação pelo menos da última década pareçam um curta metragem amador de estudante de cinema. No jogo do cinemão atual, ninguém opera no mesmo nível de George Miller, o que é impressionante se considerar que ele não faz um filme live action há dezessete anos – este sendo Babe: O Porquinho Atrapalhado na Cidade. A verdade é que TODO diretor de cinema de ação (ou não) deve sair de uma sessão de Estrada da Fúria não só revendo seus conceitos, mas também preocupado em reaprender tudo que ele acha que sabe sobre cinema, narrativa e pura energia cinética. Já é um assombro um diretor já em seus 70-e-poucos anos deixar a molecada no chinelo. Mas que ele ressurja com uma aventura tão complexa, tematicamente profunda e completamente original, respirando ousadia, transbordando ideias e querendo sempre ir além é para aplaudir de pé. Nada em Estrada da Fúria é uma repetição do que foi mostrado com o personagem em seus três filmes anteriores. O primeiro, de 1979, é um ensaio para a ópera de fúria e destruição que praticamente inventou o cinema pós-apocalíptico moderno em 1981. Estrada da Fúria consegue ir além, equiparando-se ao brilhante Mad Max 2: A Caçada Continua, que ainda é uma das experiências mais ousadas e criativas que o cinema já ofereceu, para ampliar seu escopo e sua ambição, desenvolvendo com mais precisão o mundo desolado habitado por Max e mostrando um vislumbre de como este mundo se reergueria social e espiritualmente.

Impressionante, por sinal, ver como Tom Hardy assume o papel de Max no lugar de Mel Gibson, sem perder a linha desenhada nas aventuras de décadas atrás. Max, antes homem da lei e pai de família, perdeu tudo que tinha pouco antes de o mundo ir para o ralo. Neste deserto em que água e combustível são os maiores objetos de cobiça, ele buscava apenas sobreviver; salvar um grupo isolado em uma refinaria ou uma tribo de garotos perdidos era, ao mesmo tempo, conveniente e redentor, lembranças de sua humanidade. Estrada da Fúria adiciona fantasmas, alucinações de todos que Max não conseguiu salvar, fragilizando ainda mais sua mente. Hardy apresenta o anti-herói como um homem quebrado, capturado logo na sequência inicial do filme não por servir a um grande propósito, mas simplesmente para ser usado como bolsa de sangue à conveniência de seus captores. À medida em que a ação avança (e vou tentar ao máximo ficar longe do território de spoilers aqui), Max reencontra seu caminho, o sangue em seu olhar, e é fascinante ver Hardy representar essa jornada não com diálogos, mas com ação. Os outros dois protagonistas da aventura ganham tanto peso quanto Max. A Imperatriz Furiosa é Charlize Theron no que deve ser o melhor filme de sua carreira. Ela não é uma mulher masculinizada, muito menos uma dama em perigo – e certamente não está preocupada em derramar olhares para Max. Ela é uma mulher com uma missão, capaz de ir a extremos para impedir que outras compartilhem o destino uma vez reservado a ela. Furiosa é mais do que uma guerreira casca-grossa: ela representa a esperança de um mundo melhor em meio ao caos da Terra no futuro, e é de partir o coração ver como essa fagulha aos poucos se extingue. George Miller, afinal, não é um cineasta com ideias “fáceis”, e de cara mostra que seu interesse em uma cavalgada ao Sol poente no final é nulo. Ele usa a personagem de Charlize como um farol que irremediavelmente vai apagar – a pergunta é, o que sobra a uma mulher quando lhe é retirada a ilusão de futuro?

A grande surpresa, e talvez quem traga um arco mais completo, é Nux, um dos Garotos de Guerra que povoa o mundo de Max, interpretado por Nicholas Hoult com uma mistura de ternuma e violência, devoção e iluminação. Os Garotos de Guerra são cria de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne, que fez o Toecutter do primeiro Mad Max, aqui abraçando um “vilão” diferente), que se apresenta como uma figura divina, controlando um suprimento praticamente inesgotável de água, e tentando repovoar o mundo da única maneira que sua mente torta é capaz. Nux, como os outros Garotos de Guerra, acreditam no pós-vida, e trazem um nível de fanatismo que, no mundo moderno, vimos explodir as torres gêmeas de Nova York em 2001. Perceber que seu propósito não é ser propriedade de Immortan Joe – o que surge como o tema do filme, por sinal, no momento em que Furiosa parte em fuga com suas “noivas” – enriquece a performance delicada de Hoult e faz com que Nux ganhe dimensão. Tantos personagens com arcos tão complexos já é raridade no cinema de ação. Mas quando Mad Max: Estrada da Fúria engata uma segunda, é como nada que tenha surgido no cinema moderno. A começar pela clareza e pela coreografia das perseguiçnoes automobilísticas em meio ao deserto. Não existe espaço para cortes rápidos ou overdose de retoques digitais: são pessoas de verdade guiando veículos de verdade em uma sinfonia de destruição sem paralelos. A trama pode até ser resumida em uma grande perseguição, mas seria desonesto: a ação surge unicamente para alavancar a narrativa, o que inclui bagunçar os sentidos da platéia, criando uma experiência única. Miller podia repetir os beats de seus Mad Max do passado, mas fica claro que a ideia aqui é ir além , é testar os limites não só do que é possível criar com a tecnologia atual, mas também até onde um estúdio está disposto a ir em um “filme de verão”. Por sinal, depois de ver Miller sem nenhuma amarra em tamanha escala, não tem como não pensar que seu Liga da Justiça, abortado há alguns anos, poderia ser um filme singular.

Sem falar que Mad Max: Estrada da Fúria é um filme lindo. A escolha por tons quentes e sujos deixa o filme com uma percepção de algo usado, aguerrido, ainda que cansado de lutar. O design dos veículos é outro capítulo, já que Miller criou um mundo em que um zumbi toca guitarra, no que só pode ser definido como uma parede de amplificadores sobre rodas, para dar uma trilha aos guerreiros de Immortan Joe – é como se o diretor mostrasse o dedo médio para todos os blockbusters modernos que trafegam, apesar de muitas vezes tratar de temas sombrios, em uma margem de segurança. Estrada da Fúria é o contrário: é perigoso e inesperado, pega pelo estômago e teima em soltar mesmo bem depois de as luzes acenderem. George Miller mostra o quanto gênios e visionários que merecem o título fazem falta para o cinemão pop. Seu novo Mad Max firma um novo padrão de som e fúria, que, honestamente, dificilmente será batido este ano (J.J., confio em ti!). Agora, difícil não imaginar, por um segundo que seja, um Max assim, combalido, cansado da luta e sendo interpretado por Mel Gibson...

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