quarta-feira, 6 de junho de 2012

Em "Deus da Carnificina", Polanski ironiza convenções sociais

Adaptando em "Deus da Carnificina" a peça homônima da francesa Yasmina Reza, encenada no Brasil em 2011, o diretor franco-polonês Roman Polanski extraiu o melhor da qualidade do texto, aliando-se à própria autora como corroteirista e a um notável quarteto de atores: Jodie Foster, Kate Winslet, Christoph Waltz e John C. Reilly.



Tirando bom partido do confinamento previsto no texto original, cuja ação se passa na sala de um apartamento, Polanski desdobra as muitas nuances de um duelo verbal feroz entre dois casais. Um deles, formado pelos pais de um garoto que agrediu o filho do outro com um pau, quebrando-lhe dois dentes. Os dois meninos são colegas de classe.

O incidente, corriqueiro na aparência, é o rastilho de pólvora que vai incendiar quatro personagens de origens sociais e culturais diferentes, cada um representando posições em choque sobre diversas questões explosivas no mundo atual - o politicamente correto, a mobilização por causas do Terceiro Mundo, as regras da vida em comunidade, as diferenças entre homens e mulheres, os sacrifícios pessoais exigidos pelo casamento.Polanski faz justiça ao texto, assinando um filme notável por sua intensidade minimalista ao sustentar a ironia que se infiltra nas entrelinhas. Além de estar à vontade dentro deste tipo de cinema claustrofóbico, que ele cultivou tão bem em trabalhos anteriores, como "A Faca na Água" (1962), "Repulsa ao Sexo" (1965) e "O Inquilino" (1976), o diretor recebeu um inesperado e desagradável reforço adicional: foi durante os sete meses de sua prisão domiciliar, em seu chalé na Suíça, em 2009, que ele produziu este roteiro.A prisão foi ainda um rescaldo da velha pendência com a Justiça norte-americana, relativa a um suposto estupro contra uma menor, 35 anos atrás.Inovando em relação à montagem teatral, Polanski incorpora ao filme duas sequências externas, filmadas num parque de Nova York por um de seus assistentes - já que ele pode ser preso se voltar ao país -, inclusive a própria briga dos meninos que deflagra a guerra entre seus pais. Além disso, o diretor acrescenta uma ácida conversa do casal Nancy (Kate Winslet) e Alan Cowan (Cristoph Waltz) no banheiro, inexistente no teatro.Filme e peça apoiam-se fundamentalmente na notável artilharia verbal do texto original, que serve à perfeição não só para delimitar as diferenças entre os personagens, como para escancarar como são frágeis as máscaras sociais, como a educação, a cultura, até os modos à mesa. Não é um panorama muito otimista do estado geral da civilização, alguns milênios depois da saída dos homens das cavernas, mas certamente sua ironia é uma digna forma de encará-lo.

(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)

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