domingo, 4 de novembro de 2012

Mônica Bergamo no túnel com Regina Duarte

Regina Duarte quase fica presa no elevador, no térreo do prédio em que vive, nos Jardins, em SP. Vira de costas e tenta abrir a porta com o bumbum. Uma pancada, duas... na terceira, ela consegue. "Aaaai!!!", grita, correndo pelo saguão e soltando uma sonora gargalhada.
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"Seguraa! Vai cair tudo!", pede, com as mãos lotadas de bolsas e xales que escolheu para compor o figurino da noite, em que tiraria fotos para a coluna. Ri ainda mais.
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Entra no carro da Folha, apertada no banco de trás ao lado de uma assessora e da colunista. Na frente, o motorista e a fotógrafa. "Eu agora estou viciada no Instagram [rede social de fotos]. Tinha dias em que tirava várias fotos, agora estou calma, faço umas três, quatro."
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Regina está celebrando 50 anos de carreira. E, naquela semana de outubro, estrearia em SP a peça "Raimunda, Raimunda", que fica em cartaz até dezembro.
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O carro desce a avenida Nove de Julho em direção ao teatro Raul Cortez. Regina se encanta com as luzes que, à noite, iluminam o túnel sob o Masp. "Vamos! Na volta, vamos tirar uma foto aqui, sim." A hora avançada e a rua vazia, ainda mais tarde, quando a imagem foi feita, não a amedrontariam. Ela já foi assaltada, mas diz não ter medo algum da violência.
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Aos 65 anos, 1m57, 55 kg, ela sobe apressada a escada rolante do teatro. Checa o palco, pergunta detalhes à produção. Quer saber se pode ficar mais tempo em cartaz. No bar do Raul Cortez, tenta se concentrar na entrevista.
Karime Xavier/Folhapress
Regina Duarte posa no túnel 9 de Julho, para onde foi andando com a coluna depois de sair do teatro
RAIMUNDA, RAIMUNDA
A peça é uma quadrilogia [de Francisco Pereira da Silva], são quatro Raimundas. E eu escolhi duas [para interpretar]. Uma delas é amante de Lampião. E se ferra quando Maria Bonita passa a fazer parte do harém que ela tinha montado para ele. O texto foi escrito entre 72 e 74, tava bem na moda o teatro... como é que chama? Gente, me socorre aqui... absurdo! Teatro do absurdo [gargalhada]. Que absurdo eu esquecer o teatro do absurdo!
O NOVO
Sempre dá pra fazer algo novo. Sempre dá. Em novela, fiquei bem impressionada com "Avenida Brasil", "Cordel Encantado" e "A Vida da Gente". Tinha um sopro de frescor nesses trabalhos. Não acredito em nada que não sofra influências, desde Shakespeare, Molière, Calderon de la Barca. Mas tem sempre um novo olhar, uma sensibilidade, novas técnicas. Nada é totalmente novo e nada é totalmente "déjà vu". Como na natureza, uma folha nunca é igual à outra.
IMPRENSA
Já me aconteceram coisas muito desagradáveis. Certa vez, eu disse a uma revista que não bebo, não gosto de drogas. Nos anos 60, estava na moda, experimentei, mas detestei, saí. E a manchete foi: "Regina Duarte conta como se livrou do inferno das drogas". A imprensa bacana, construtiva, tem que tomar muito cuidado agora para ver o que é verdadeiro nessa internet, onde as pessoas são anônimas, publicam qualquer coisa. Usam meu nome, assinam por mim. Não tenho Facebook, não tenho site.
BLOQUEIO
Você vai aprendendo a medir o que fala. As pessoas vão ficando armadas, bloqueadas. Não quero perder a espontaneidade. Sou de uma geração que sempre falou, botou a boca no trombone. Mas me policio um pouco. Exatamente por ter passado por edições que não foram muito generosas comigo.
VOTO
Não [declara mais voto em eleições].
LULA
É melhor não relembrar [a declaração que ela deu na campanha de 2002 dizendo ter medo da vitória de Lula]. Não tem mais nada a ver com o que a gente tá vivendo.
DILMA
Nossa, eu tenho encantamento por ela, desde o início, sabe? Na política internacional, me impressionou muito como ela entrou firme defendendo umas coisas legais. Tem uma frase dela de que eu gosto: o controle da mídia é o controle remoto. É uma postura democrática que tem que ser louvada. E dá uma coisa bacana, a gente fica orgulhosa de ter uma mulher ali.
MARTA MINISTRA
Vamos ver [como será Marta Suplicy no Ministério da Cultura]. Ela tem ímpeto. Quando quer, faz coisas extraordinárias. Vamos falar dos CEUs, para deixar ela bem estimulada? Tem que falar "Viva a Marta!". Porque eu rodei os 21 CEUs. Tudo neles é bom, bem feito, descentraliza a cultura. Não é qualquer nota, não. Eu inaugurei neles o teatro com uma turnê. Tive lições de paulistanês. Viajava uma hora e meia para chegar lá. E ia vendo uma SP que não conhecia. Fiquei encantada. Às vezes uma patrulha nos acompanhava. Mas nunca foi necessário. O povo brasileiro é tão bom, é tão amoroso, né? O que tem aí de violência é tão minoritário...
PAI
É uma frase que tá lá, dos meus 13 anos [nesta idade, Regina viu o pai ser humilhado e escreveu que seria famosa para protegê-lo]. Eu acho que consegui fazer uma carreira de sucesso. Mas não fiquei pensando nisso. Aos 14 anos, entrei no teatro amador. E tive uma formação muito santa no sentido de arte pela arte. Eu dei sorte, comecei com gente séria, competente, de boa seiva. Teresinha Aguiar, Antunes Filho, Walter Avancini. E, na Globo, com Daniel Filho. Parou, né?
ANTUNES FILHO
Ele [diretor Antunes Filho] às vezes era agressivo. Mas agora tá um doce, um querido. Me trata como se eu tivesse 17 anos ainda. Acho que não consegue me ver sessentona. "Ô menininha, senta que vai começar o espetáculo." Me dando ordens, sabe?
SESSENTA ANOS
Acho ótimo ter 60 anos, tudo de bom. Tô adorando. Ainda mais hoje em dia, né, que temos reposição hormonal, a gente adora. Aos 38, fiz intervenção plástica, depois não mais. Reduzi o leite da alimentação, por causa de pedras nos rins, e dei uma afinada inesperada. Nesse ano levei um tombo na beira da piscina, no Carnaval. E tive uma fissura no cóccix. Então faço pilates para fortalecer a musculatura. Senão começo a andar igual à velhinha que eu serei daqui a pouco.
A VELHINHA
Eu acho que vou ser bem diferente de dona Benta, né? E da tia Nastácia também, que eram as velhinhas da minha fantasia quando eu era garota. Eu vou ser uma velhinha moderna, eu acho, contemporânea. As gerações anteriores provavelmente vão achar que eu sou louca. Mas a minha neta, eu acho que ela vai achar que eu sou normal [risos]. Espero, né?
ENVELHECER
Vai ser horrível [risos]. Eu não quero viver muito, não. Tô falando sério. Eu quero qualidade de vida, trabalhando, me locomovendo. Não quero ser um estorvo para ninguém. Não quero ser castigada com uma vida longa, não. Pelo amor de Deus!
RELIGIÃO
Tive uma mãe bem católica, fui criada assim. Hoje, quando precisa, eu lanço mão. Mas, em geral, fiquei meio agnóstica. Não dá para ver tudo o que acontece e ficar assim "ó!", né? Fazer para os outros o que você quer que façam com você: isso para mim é uma religião, hoje.
MEDO DA MORTE
Não tenho. Contanto que seja rápido.
ESQUECIMENTO
Eu disse numa entrevista que sou louca pelo que faço e que não estavam me chamando [para papéis]. Depois disso foi uma avalanche de convites [gargalhada] e não consigo nem respirar! Mas quando falei que quero passar por essa fase com dignidade é porque não preciso trabalhar a qualquer preço. Não quero fazer lobby, frequentar ambientes, "Oi, eu existo!". Nem me expor na mídia mais do que seria espontâneo. Eu tô procurando encontrar fascínio na minha vida, no meu prosaico dia a dia cotidiano, entendeu?
NOVELAS ANTIGAS
Fiz fono e daí eu ganhei um domínio do meu grave muito maior do que eu tinha. Então não gosto de me ver no que fiz antes disso. Fico sempre meio aflita, olha lá, pisei na bola. Não fiz a pausa que deveria, atropelei, tá "fake", tá falsa, Regina! Fico querendo corrigir o incorrigível, já foi.
EM CARTAZ
Um teatro como este [Raul Cortez, onde "Raimunda, Raimunda" está em cartaz], grande, me intimida um pouco. É uma coisa meio infantil. Uma regressão. "Vou dar uma festa. E será que as pessoas vêm?" Será que vão gostar, será que, tipo assim, eu sou amada, as pessoas vão se lembrar de vir? Fico um pouco ansiosa porque eu quero muito que elas venham. Quando você quer muito uma coisa, o medo de que não aconteça é meio proporcional. E eu quero essa casa lotada (bate na mesa). Venham. Venham. Eu quero!
Mônica BergamoMônica Bergamo, jornalista, assina coluna diária publicada na página 2 da versão impressa de "Ilustrada". Traz informações sobre diversas áreas, entre elas, política, moda e coluna social. Está na Folha desde abril de 1999.

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