domingo, 19 de agosto de 2012

Nos 50 anos do seu programa, Silvio Santos perde a vergonha e as calças

MARCO AURÉLIO CANÔNICODO RIO
Para alguém conhecido, no início da carreira, como "o peru que fala", graças à vermelhidão causada pela timidez diante do auditório, Silvio Santos passou por uma notável transformação nos 50 anos à frente do programa que leva seu nome. Hoje, está totalmente sem vergonha.
Só nos últimos meses, perdeu as calças no ar (e deixou a cena ser exibida), constrangeu convidados com comentários irônicos e maldosos e vem falando palavrões e piadas sexuais em seu programa. Está, como se diz na gíria, "soltinho" aos 81 anos.
Aniversário do "Programa Silvio Santos", no ginásio do Pacaembu, em São Paulo, em junho de 1965; na época, o programa ia ao ar pela TV Paulista, que foi comprada por Roberto Marinho naquele ano
A postura tem surpreendido não só as "colegas de auditório", os convidados e os espectadores, mas seus próprios funcionários. Tem também reavivado o status de ícone para a geração das redes sociais, que replicam vídeos com seus "melhores momentos" pela internet.
"Acho que o Silvio Santos nunca atravessou uma fase tão despojada, tão à vontade. Até me assustei um pouco", diz o apresentador Luis Ricardo Monteiro, que, há mais de 30 anos no SBT, precisou lidar recentemente com o patrão detonando no ar os produtos que tentava vender.
Para Monteiro, após superar "os problemas que o grupo [Silvio Santos] teve" --fraude no Banco PanAmericano em 2010 e venda do Baú da Felicidade em 2011--, o empresário "soltou as amarras". O momento atual se assemelharia, diz ele, aos primórdios do SBT, quando Silvio tinha "um papo reto".
"Ele falava 'olha, podem assistir à novela da Globo, depois começo o filme aqui no SBT'. Era mais solto e, ao longo do tempo, como presidente da emissora, foi se engessando um pouquinho."
AUDIÊNCIA
Segundo Monteiro, a fase atual "está chocando", mas também "dando muito resultado" no ibope --de fato, a audiência do programa dominical e do canal como um todo voltaram a crescer, após um período de perda da vice-liderança para a Record.
"Sinceramente, acho que ele está gagá. Mas falo isso com carinho, assim como falo da minha avozinha", diz o apresentador Marcelo Tas, que vem destacando episódios pitorescos do dono do SBT no "Top 5" de seu programa "CQC", na Band.
"O importante é ele continuar rindo dele mesmo. Faço questão de falar dele com carinho, porque todos vamos chegar aí. A diferença é que ele é o Silvio Santos, o dono do canal, então ninguém vai dizer para ele não fazer as coisas que tem feito."
Nem todos atribuem a fase a uma suposta senilidade.
"Velho ele é faz tempo", diz a atriz Lívia Andrade, a atual professora Suzana de "Carrossel" (SBT), com o mesmo humor que usou para reagir à frase de Silvio de que "gato escaldado... morre, porra", num jogo de que ela participava ("Interna!", reagiu).
"Ele continua o mesmo, não tem nada a ver com a idade, mas com o momento da TV, dos programas de humor, da aceitação do público. Palavrão, piada apimentada não são mais tão chocantes, as pessoas gostam."
Essa visão de que a nova fase de SS seria uma adaptação ao humor mais chulo que a TV importou da comédia "stand-up" é compartilhada por outros funcionários do SBT. "O Silvio Santos acompanha a onda, a modernidade. Não posso falar 'pô, Silvio, você está pegando pesado', porque isso é uma coisa tão normal hoje, é moda", diz Ailton Lima, o Liminha, 47, assistente de palco do "patrão" há mais de 20 anos.
Nem tudo tem sido sorrisos na nova fase: SS, que sempre lidou bem com os incontáveis humoristas que o imitam, resolveu, em maio, processar a trupe do programa "Pânico", da Band, impedindo-a de imitá-lo e de se aproximar dele.
Lívia Andrade diz que a atitude teve lógica comercial. "Tudo tem limite. É burrice dar audiência a outra emissora que está no ar na mesma hora do seu programa."
O fato é que nem as polêmicas nem as atitudes mais grosseiras da nova fase parecem atingir a imagem de SS.
Para Tas, isso se explica pelo extenso crédito acumulado pelo apresentador em suas décadas de TV, que compensam "esses escorregões":
"Ele sempre fez esse entretenimento da família, do domingo, despretensioso. É como diz a música dele, 'do mundo não se leva nada/ vamos sorrir e cantar'. Ele está vivendo isso plenamente."
*
O BAÚ DO SILVIO
Momentos marcantes da trajetória do empresário e apresentador
1930 - Senor Abravanel nasce em 2 de dezembro, no bairro da Lapa, no centro do Rio; filho do grego Alberto Abravanel e da turca Rebeca Caro, teve cinco irmãos
1946 - Em ano de eleição presidencial, torna-se camelô, vendendo capas para títulos de eleitor canetas e outras bugigangas no Rio. "Trabalhava das onze ao meio-dia, horário em que o guarda ia almoçar. Eu tinha realmente poder de comunicação. Daí em diante, nunca mais me faltou dinheiro", disse Silvio em sua biografia
1948 - Começa a trabalhar como locutor em rádios, mas deixa o emprego para ganhar mais dinheiro montando um sistema de alto-falantes nas barcas do Rio, onde vende anúncios publicitários; cria também um bar e um bingo nas embarcações
1954 - Já em São Paulo, assina seu primeiro contrato, como locutor da Rádio Nacional; o salário baixo o leva a lançar uma revista de passatempos ("Brincadeiras para Você"), para vender anúncios, e a se tornar animador em shows de circo e comícios
1958 - Manoel de Nóbrega lhe repassa o Baú da Felicidade, então em dificuldades financeiras; Silvio transformaria a empresa em uma lucrativa cadeia de 127 lojas que chegou a faturar R$ 400 milhões por ano e que foi vendida em 2011 ao Magazine Luiza (por R$ 83 milhões), após as dificuldades financeiras causadas pelo fraude em outro de seus negócios, o Banco Panamericano, que causou um rombo de R$ 4,3 milhões
1962 - Estreia como apresentador de TV com o programa "Vamos Brincar de Forca", na TV Paulista e lança o dominical "Programa Silvio Santos"; no mesmo ano, casa-se com Cidinha, com quem teria as filhas Cíntia e Silvia; sua mulher morreria em 1977, vítima de um câncer
1975 - Em outubro, vence a concorrência do governo Ernesto Geisel para aquisição do Canal 11, do Rio de Janeiro; em maio do ano seguinte entra no ar a TVS (Studio Silvio Santos Cinema e Televisão Ltda.); por um período, apresentaria o "Programa Silvio Santos" simultaneamente nas TVs Tupi e Record, em São Paulo, e na TVS, no Rio
1981 - Casa-se com Iris Pássaro, funcionária do Baú da Felicidade; o casal teve quatro filhas: Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata. Em março, ganha do presidente João Figueiredo a concessão de quatro canais; em agosto, nascia o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão)
1989 - Sai candidato à presidência da República pelo nanico PMB, mas a inexistência legal do partido e o exercício patronal dentro de uma rede de televisão o impediram de se candidatar. No ano seguinte, é convidado a concorrer ao governo de SP, mas desiste; em 2002, volta a ser considerado como candidato a presidente, pelo PFL (hoje DEM), mas não chega a concorrer
2001 - É tema do desfile da escola de samba Tradição, no Carnaval do Rio; em agosto, sua filha Patrícia Abravanel é sequestrada e passa sete dias em cativeiro; é libertada após o pagamento de resgate de R$ 500 mil, mas dias depois um dos sequestradores invade a casa do apresentador em São Paulo e o mantém como refém por sete horas, até se entregar. No mesmo ano, lança o primeiro "reality show" brasileiro, "Casa dos Artistas", que bate recordes de audiência
2010 - Chega aos 80 anos no ponto mais baixo de sua carreira: o Banco Central identifica fraudes contábeis que geraram um rombo de R$ 4,3 bilhões em seu Banco PanAmericano; a instituição é vendida para o BTG Pactual por R$ 450 milhões e a Polícia Federal indicia 22 pessoas, incluindo cinco ex-diretores e um ex-presidente do Grupo Silvio Santos, sob a acusação de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, "caixa dois" e outros crimes financeiros

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...