quinta-feira, 24 de março de 2011

Elizabeth Taylor fez duplo papel de musa e mundana do cinema

PAULO SANTOS LIMA/COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Os tais "olhos de Liz Taylor" não vieram à toa. Se é um tremendo clichê, um desses caminhos fáceis para se definir toda uma vida em poucas palavras, mencionar essa peculiaridade de azul-violeta acaba encontrando o que melhor situa a atriz na história do cinema: o mito.
A beleza fora do normal de Elizabeth Taylor, que na tela resultava numa imagem ideal, cumpria umas das características desse cinema clássico de astros e estrelas. Ao mesmo tempo, bem diferente das musas típicas como Greta Garbo ou Bette Davis, o corpo de Taylor era sempre uma questão nos filmes, fazendo uma perturbadora dialética com o rosto, ou seja, entre a imagem sacra e "iluminada" da face e o corpo em sua materialidade mundana, que tinha muito mais a ver com o cinema físico mais moderno que começava a surgir na Hollywood dos anos 50. Um mito levado à situação de risco. Um risco que consolidou seu mito, sua imagem eterna. É com esse corpo, que parecia sugerir menos as formas, como o de Marilyn Monroe, e mais a própria dimensão carnal, da pele, algumas gordurinhas e seios querendo se fazer mostrar, que Elizabeth Taylor fez sua notável carreira.
Em síntese, o percurso da atriz vai da pureza de quando era uma garotinha, nos filmes de Lassie, nos anos 40, aos que fizera nos anos 60, ao lado de Richard Burton.

Divulgação
Elizabeth Taylor no papel de Cleópatra em versão para o cinema em 1963
A atriz Elizabeth Taylor, morta nesta quarta-feira (23) aos 79 anos, no papel de Cleópatra em versão para o cinema em 1963

Ao longo da carreira, Liz Taylor conseguiu uma quase impossibilidade de atender a cinemas distinto. A imagem de culto típica do cinema clássico está impecável, por exemplo, em "Um Lugar ao Sol" (1951), de George Stevens, divinamente fotografada em preto-e-branco. Também em outro de Stevens, "Assim Caminha a Humanidade" (1956), no papel da mulher de um fazendeiro (Rock Hudson) e objeto de amor de James Dean. São trabalhos que alimentaram essa idéia de Liz Taylor como grande estrela de Hollywood.
Mas uma sexualidade "grosseira" à sacralidade do cinema tipo anos 1930, anuncia-se em "Gata em Teto de Zinco Quente" (1958), de Richard L. Brooks, inclusive pelo reconhecível timbre de voz da atriz, que remetia a instintos bastante sexuais, proibidos. É, aliás, com essa voz que faz lembrar a presença de língua e saliva na boca que ela contracenaria com Marlon Brando no perturbador "O Pecado de Todos Nós" (1967). Tempos de outra Liz Taylor, afamada pelo escândalos extraconjugais, bebedeiras e amores loucos. Nesse clima, ela fez "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", de Mike Nichols, sobre a crise pequeno-burguesa, e pelo qual ganhou seu segundo Oscar.
Mas é "Cleópatra" (1963), de Joseph L. Mankiewicz, quem dá conta de Liz Taylor. Obra-prima injustiçada, inclusive pela própria Liz Taylor, foi aqui que ela conheceu Burton (traindo abertamente o então marido, Eddie Fisher, que ela roubara de Debbie Reynolds anos antes). Foi aqui, também, o cenário das recorrentes doenças que Taylor tivera por toda a vida, dos atrasos, dos percalços de produção, do maior salário que uma atriz recebera até então (US$ 1 milhão). Uma típica superprodução, mas portadora de um conteúdo diferenciado, quase "avant garde" para os padrões.
Taylor faz esse duplo papel de musa e mundana do cinema, num falso épico cuja estrela carrega uma carga erótica um tanto perigosa para o cinema comercial, sobretudo numa produção quer custou cerca de US$ 44 milhões. Mais que os olhos violetas, é uma obra arriscada como "Cléopatra" quem melhor condensa o longo percurso de uma artista que encontrou sua expressão pondo sempre em risco sua imagem de musa, de estrela eterna, mas sem jamais romper com suas origens.
Não foi uma atriz moderna, uma Jeanne Moreau, mas criou mais transtornos. Por isso o único lugar a colocá-la talvez seja o dos olhos azuis-violeta. Até Richard Burton, que a conhecia bem, recorreu a essa idéia para conseguir explicar por que se apaixonou por ela, nos anos 60.
Igreja anti-gay planeja protesto no funeral de Liz Taylor
A igreja batista Westboro, do Estado americano do Kansas, está planejando fazer um protesto no funeral de Elizabeth.
A atriz morreu nesta quarta-feira (23) aos 79 anos em Los Angeles. A informação sobre o protesto foi dada por Margie Phelps, filha do pastor Fred Phelps, no Twitter.
"Nada de descanse em paz para Elizabeth Taylor, que passou a vida no adultério e fazendo gays se sentirem orgulhosos", escreveu. "Eles estão maldizendo ela no inferno hoje." A igreja já havia planejado protestos nos funerais de Heath Ledger e de Natasha Richardson, mas eles não se concretizaram. Eles foram processados por fazer isso no enterro de um militar que morreu no Iraque. Ainda não foram revelados detalhes sobre o funeral de Elizabeth Taylor, apenas que haverá uma cerimônia fechada para amigos e familiares.
A atriz já manifestou o desejo de ser enterrada no País de Gales, ao lado do ex-marido Richard Burton.
"Você não pode chorar nos ombros de diamantes", disse Taylor
DA FRANCE PRESSE, EM LOS ANGELES

Elizabeth Taylor encarnou uma verdadeira rainha de Hollywood, de uma beleza tão estonteante quanto seus incríveis olhos violetas, e ficou tão famosa pelo relacionamento tempestuoso com o ator galês Richard Burton e seus oito casamentos como pelo ótimo desempenho de atriz, que lhe rendeu dois Oscar.
A vida da atriz teve tanto drama quanto seus quase 50 papéis no cinema e despertou muito interesse do público, que sempre acompanhou os detalhes de sua vida amorosa e de sua batalha contra o álcool e os remédios. Os últimos anos da atriz de "Quem Tem Medo de Virginia Wolf?" foram marcados por graves problemas de saúde, mesmo assim ela era ativa na organização, junto com o amigo Elton John, de eventos pomposos para arrecadar milhões de dólares para pesquisas sobre a Aids.

AP
Elizabeth Taylor com um de seus maridos, Eddie Fisher, em 1959; relacionamento escandalizou a América
Elizabeth Taylor com um de seus maridos, Eddie Fisher, em 1959; relacionamento escandalizou a América

Apesar das poucas aparições públicas nos últimos anos, ela foi uma das poucas estrelas a comparecer ao funeral do amigo e cantor Michael Jackson em julho de 2009, período no qual começou a usar uma conta no Twitter para expressar reflexões sobre o ídolo pop e manter informados os fãs sobre os problemas médicos. "Você não pode chorar nos ombros de diamantes e diamantes também não aquecem você à noite, mas eles são com certeza divertidos quando o sol brilha", escreveu em um de seus primeiros posts no serviço de microblog, em 2009. Em 2004, ela declarou à revista "W": "Meu corpo é um desastre". No mesmo ano, ao ser questionada se temia a morte, ela foi enfática: "Não, realmente não".
Nas últimas entrevistas concedidas, ela se referiu a Richard Burton, com quem se casou duas vezes, como sua alma gêmea. "As pessoas devem pensar: 'Meu Deus! Ela continua viva?'", brincou na ocasião. "Mas há uma certa resistência em mim que faz com que continue lutando."
Ela expressava seu entusiasmo também no Twitter: "Aproveitando a vida com todos os seu inúmeros presentes. Sempre há algo para nos levar adiante!" Elizabeth Taylor, acostumada a ser motivo de fofocas pelos tórridos romances, vivia praticamente sozinha em sua mansão do exclusivo bairro de Bel Air, em Los Angeles. "Aprendi a estar sozinha. Estar sem alguém não significa estar sozinha. Tenho grandes amigos, filhos e netos. E muitas recordações maravilhosas", comentou.
Ao ser questionada sobre os períodos mais felizes, a atriz apontou dois: os anos que passou ao lado do segundo marido, o produtor Michael Todd ("Volta ao Mundo em 80 Dias"), de quem ficou viúva em 1958, e depois com Burton, com quem se casou duas vezes, a primeira em 1964 --com duração de 10 anos--, e a segunda em 1975, com duração de um ano. "Pensei que nunca iria me recuperar, nas duas vezes", disse.
Em entrevista a Larry King, na CNN, em maio de 2006, ela comentou sobre o início da amizade com Michael Jackson. "Eu fui a um show e eu não conseguia enxergar nada, estava muito lá em cima. Eu estava com outras 30 pessoas. Nós decidimos ir embora para ver na televisão. Michael percebeu que eu fui embora e me ligou no dia seguinte chorando por que eu tinha ido embora. Então começamos a passar muito tempo juntos e viramos melhores amigos. Nós somos muito parecidos, tivemos infâncias terríveis", disse.
Sua última entrevista foi à socialite Kim Kardashian, na revista "Harper's Bazaar", em fevereiro deste ano.
"Eu nunca planejei ter um monte de joias ou maridos. Para mim, a vida aconteceu, assim como acontece para todos. Eu fui muito sortuda ma minha vida que eu conheci o amor e, é claro, que eu sou a guardiã de coisas incríveis e lindas. Mas eu nunca me senti mais viva do que quando via meus filhos felizes com alguma coisa, ou quando vi um grande artista se apresentar, ou quando comecei a lutar contra a AIDS no mundo. Siga suas paixões, siga seu coração e as coisas que você precisa virão", disse Taylor na ocasião.
Fama e beleza escondiam a grande atriz Elizabeth Taylor
 
RICARDO CALIL/CRÍTICO DA FOLHA

Beleza e fama nunca foram um fardo para Elizabeth Taylor. Mas, em sua carreira, a combinação desses fatores talvez tenha atrapalhado o reconhecimento de Liz como a grande atriz que foi.
Estrela mirim que estreou no cinema aos nove anos e que nunca teve um treinamento formal, Taylor se definia como uma atriz intuitiva. Mas isso nunca impediu que ela se tornasse uma intérprete versátil, que se arriscava em papéis que exigiam muito mais que beleza. Em seu currículo, há uma mulher rechaçada sexualmente pelo marido ("Gata em Teto de Zinco Quente"; 1958) e outra que enlouquece ao ver sua paixão platônica ser literalmente canibalizada ("De Repente, no Último Verão"; 1959).
Existem ainda uma "call girl" com um trauma de infância que pula de um caso para outro ("Disque Butterfield 8"; 1960) e uma intelectual alcoólatra que, em uma noite, decide descer ao fundo do poço ("Quem Tem Medo de Virginia Woolf?"; 1966).

AP
A atriz Elizabeth Taylor em cena do filme "Disque Butterfield 8", de 1960
Elizabeth Taylor em cena do filme "Disque Butterfield 8", de 1960, pelo qual recebeu Oscar de melhor atriz

PAPEL SOCIAL
Embora tenha engordado para este papel e de ter passado de menina inocente a mulher voluptuosa ao longo dos anos, Taylor não era uma atriz camaleônica. Seu método era emprestar um pouco de sua atribulada história pessoal a cada um desses personagens.
O sujeito ia ao cinema ver a beleza de Taylor e acabava trombando com aqueles personagens densos dos dramas psicológicos de Tennessee Williams ou Edward Albee. Ou seja, ela também cumpriu uma função social: ajudou a popularizar esses e outros grandes autores. Durante 15 anos de carreira, Taylor foi a encarnação mais concreta de um conceito abstrato: a estrela de cinema. Alguém com uma beleza quase sobre-humana, que sabia atuar, que escolhia bem os filmes e que arrastava multidões aos cinemas com seu carisma. Claro, houve vários filmes ruins no caminho, sendo "Cleópatra" (1963) o mais problemático deles. E o fato é que, a partir de "Virginia Woolf", os momentos de brilho se tornaram mais raros.
Mas basta voltar para seus grandes filmes das décadas de 50 ou 60, os anos de ouro de sua carreira, para lembrar como a combinação de beleza e talento pode chegar à potência máxima no cinema.

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