quarta-feira, 9 de abril de 2014

Vazio legal gera boom de 'clubes de maconha' em Barcelona

Em uma esquina movimentada do centro de Barcelona, na Gran Via com a rua Bruc, há um clube de fachada discreta. Ao ouvir a campainha, a recepcionista vem à porta e pede a identificação. A entrada só é permitida a sócios, que devem apresentar documento de identidade e carteira de associado. A Associação Senzi – Clube de Fumantes de Maconha - é uma entre as mais de 300 que surgiram na Catalunha nos últimos anos. E a rápida proliferação preocupa autoridades espanholas. Inaugurado há um ano e meio, a Senzi recebe entre 700 e 800 visitantes por dia e já tem 7 mil sócios. Há vários ambientes, onde se veem pessoas lendo jornais, algumas jogando bilhar ou dardos, outras reunidas com amigos ou vendo jogos de futebol pela TV.

"É um clube social de amigos, e colocamos as instalações à disposição de todos os sócios", diz o presidente Michel González. À diferença de um bar ou uma discoteca, ali se pode consumir maconha, adquirida no próprio local. Mas os termos "venda" ou "compra" não são usuais ali. O consumo da erva é feito, oficialmente, mediante "doações". O cuidado com as palavras tenta afastar qualquer ideia que remeta a negócio. Isso porque consumir e cultivar maconha para o próprio consumo não são considerados crime na Espanha, desde que praticados em um ambiente privado, mas o comércio de drogas é proibido pela legislação espanhola. Outra preocupação das autoridades é evitar que a capital catalã acaba se tornando um “destino turístico de maconha”. Vários sites, como o Greenline e We Be High, promovem Barcelona como a “nova Amsterdã” por ser um lugar “permissivo com o consumo”. Eles divulgam que os turistas têm facilidades para conseguir a erva – apesar das normas restritivas de acesso aos clubes. Baseados em um vácuo legal e em decisões prévias de tribunais, clubes desse tipo proliferam na região. A Catalunha é comunidade autônoma onde mais se abrem clubes de maconha e em ritmo mais acelerado. "Porque é onde há grande demanda e maior tolerância social, policial e judicial", analisa Barriuso. Os governos locais pedem mais regulação. No último dia 13 de fevereiro o Parlamento de Catalunha aprovou um projeto que dá quatro meses para que a Comissão de Saúde chegue aos acordos necessários para que o governo regule tais associações "desde a perspectiva da saúde pública, no âmbito das políticas de redução de danos". Mas o governo da Catalunha está dividido. Por um lado, a secretaria de Interior se opõe à regulação dessas associações. Por outro lado, a secretaria de Saúde defende uma normativa que reduza os riscos do uso da substância. A Secretaria de Interior informou à BBC Brasil que é contra a regulação das associações porque "se a esse tipo de clube se concede uma normativa legal, por mais restritiva que seja, acabará amparando o cultivo, o transporte e o tráfico de maconha".

A secretaria assegura que não elaborará "nenhum documento que ampare o consumo dessa substância, exceto para uso terapêutico". Já a secretaria de Saúde adverte que a falta de regulação pode provocar não só o boom de clubes e sócios, como também "a progressão do modelo de clubes comerciais". Por isso, informa que está trabalhando em diferentes frentes para propor uma regulação de boas práticas desses clubes e que criou um diálogo organizado com o setor. No Senzi, os sócios pagam uma assinatura anual de dez euros (cerca de 32 reais), e o que consomem no clube é "cobrado" à parte – maconha, utensílios para fumantes, bebidas ou lanche. O presidente do clube explica que os sócios fazem uma "doação" pela maconha que pedem. Cada sócio assina um contrato de normas de conduta e estabelece uma quantidade mensal que quer adquirir, com um limite de 120 gramas por mês. A entidade Senzi está inscrita no Registro Nacional de Associações do Ministério de Interior. Na falta de uma legislação específica sobre o funcionamento desses clubes, eles estão registrados como clubes sociais, tal como uma entidade esportiva ou de fumantes de tabaco. Como qualquer clube, tem as próprias normas ou estatutos. Para se associar, é preciso ser maior de 21 anos, apresentar a identidade e ter o aval de algum sócio, se for o caso de consumo lúdico. Outra possibilidade é apresentar os comprovantes médicos que indiquem que o uso da maconha tem fins terapêuticos, o que pode ser o caso de doentes de câncer ou fibromialgia. O presidente da entidade lembra que já recusou a entrada de pessoas visualmente embriagadas ou sob o efeito de drogas pesadas. O clube não permite a venda ou a entrada de bebida alcoólica. "A mistura de álcool e maconha não combina. Outros clubes tiveram problemas, por isso adotamos a cultura do consumo responsável", explica González. "Nossa intenção é orientar os consumidores de cânhamo em um entorno em que podem obter e consumir maconha de modo seguro. Assim, reduzimos e prevenimos os riscos derivados do mau uso da erva e do mercado ilegal", afirma. O porte de maconha em via pública é ilegal no país. González conta que a Senzi já recebeu inspetores, que fiscalizaram o funcionamento do local e elementos de segurança, como saída de emergências e de fumaça. "Eles verificaram que estava tudo em ordem, segundo o projeto que apresentamos para conseguir o alvará", disse. No entanto, em certa ocasião, a polícia já entrou no terreno de propriedade privada da entidade, em uma zona rural da Catalunha, e apreendeu a plantação.

O processo judicial continua, mas, segundo González, está parado diante do vazio legal sobre a matéria. Ele e outros representantes de entidades batalham agora pela regulação dos clubes. A Federação de Associações Canábicas Autorreguladas da Catalunha (Fedcac), à qual a Senzi pertence, encaminhou à prefeitura de Barcelona um projeto modelo que pode ser tornar uma normativa para os clubes. Diante da falta de uma regulação nacional, também não há uma uniformidade na maneira como os governos das comunidades autônomas da Espanha tratam a questão dos clubes de fumantes de maconha. Alguns clubes enfrentam longas batalhas judiciais para seguir funcionando. Em Bilbao, no País Basco, há dois anos a Justiça ordenou o fechamento da associação canábica Pannagh, inclusive de suas páginas na internet. O clube funcionava havia oito anos com normalidade. O presidente, Martín Barriuso, lembra que quatro pessoas foram presas e a colheita, apreendida. Segundo ele, o processo foi arquivado, a polícia devolveu a maconha, mas o clube ainda não tem autorização para reabrir. "Há centenas de associações funcionando, mas dezenas interditadas", estima. Para Martín Barriuso, que também representa a Federação de Associações Canábicas (FAC), o problema da falta de regulação é que alguns representantes dos clubes enfrentam prisões, processos, apreensão da colheita e "perseguições". "Há clubes que enfrentam até oito intervenções por ano, isso é um total absurdo", critica

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