- ReutersNadezhda Tolokonnikova (esq), Yekaterina Samutsevich (c) e Maria Alyokhina, da banda feminina "Pussy Riot", acompanham julgamento em Moscou. Elas podem pegar até sete anos de prisão por um protesto realizado em uma igreja, quando cantaram uma música intitulada "Virgem Maria, libertai-nos de Putin"
As 1.300 presas do Presídio de Detenção a Espera de Julgamento número 6, o único para mulheres em Moscou, chamam o bloco de concreto no limite sudeste da capital russa de a “Bastilha”. É aqui que as ativistas do Pussy Riot estão esperando o resultado de seus recursos, depois de terem sido condenadas a dois anos de prisão por gravarem um vídeo no qual elas cantavam “Mãe de Deus, derrube Putin”, em uma das igrejas mais importantes do país. Se seu recurso for negado, as três jovens serão enviadas para uma colônia prisional. No momento, elas podem receber visitas de familiares uma vez a cada 15 dias. Por ordem da Justiça, seus advogados têm direito a visitas ilimitadas às clientes. Nadezhda Tolonnikova, 22, é considerada líder política do grupo. Ela respondeu as perguntas do “Spiegel” por meio de um de seus advogados.
Pergunta: Nadezhda Andreyevna, como é o seu dia a dia na prisão?
Tolonnikova: É tolerável. Ainda assim, é uma prisão russa, com todo o seu charme soviético. Houve pouco progresso por aqui –o sistema prisional ainda é uma mistura entre forte militar e hospital. Acordamos às 6h da manhã, depois tomamos café e somos levadas para o pátio. No resto do dia, escrevo. Ou leio. Hoje, por exemplo, li a Bíblia e as obras do filósofo esloveno marxista Slavoj Zizek. A falta de liberdade de movimento não constringe a liberdade de pensamento.
Pergunta: Você se arrepende de suas ações na Catedral de Cristo o Salvador de Moscou?
Tolonnikova: Não, não me arrependo de nada. Eu tenho uma opinião pragmática de nossa situação e vejo os lados positivos e negativos. Por fim, acho que o julgamento contra nós foi importante, porque mostrou a verdadeira face do sistema de Putin. Esse sistema fez um veredito sobre si mesmo, ao nos condenar a dois anos na prisão apesar de não termos cometido crime algum e é claro que fico feliz com isso.
Pergunta: Você tem uma filha de quatro anos e provavelmente sabia, ao fazer sua apresentação na igreja, que a prisão era uma possibilidade real. Isso não foi irresponsável em relação à sua filha?
Tolonnikova: Se você tem medo dos lobos, não deve entrar na floresta. Não tenho medo dos lobos. Estou lutando para que minha filha possa crescer em um país livre. Legalmente, a justiça só poderia ter nos condenado por uma contravenção. O julgamento criminal é a vingança pessoal de Putin, e ninguém pode prever como e quando um sistema autoritário vai exercer sua vingança.
Pergunta: Alguns veem vocês como heroínas que usam uma abordagem criativa para desafiar o rígido sistema político de Putin. Outros consideram suas ações de mau gosto. Quando estava grávida, a senhora tomou parte, completamente nua, em um evento de sexo grupal do Museu Biológico de Moscou -para ridicularizar o desejo do Kremlin de aumentar a taxa de natalidade da Rússia.
Tolonnikova: Gosto é uma questão pessoal. Nossas performances são arte moderna, e apenas os especialistas podem avaliar se o que fazemos é de mau gosto. Qualquer outra coisa é simplesmente expressão de opiniões subjetivas.
Pergunta: O que seus pais pensam dessas performances?
Tolonnikova: Meu pai se recusou a falar comigo por dois meses depois da performance no Museu Biológico –porque eu não o convidei para assistir. Desde então, ele tem estado presente em cada ação da qual tomei parte. E minha mãe recentemente afirmou publicamente que apoia integral e completamente minha luta pela liberdade da Rússia. Então eu não tenho problemas com meus pais.
Pergunta: Você começou no grupo Voina, que quer dizer “guerra”. Contra quem é essa guerra?
Tolonnikova: As ações do grupo de artistas Voina são um teste de força dentro do conflito entre governo e sociedade. Foi a primeira vez que os artistas fizeram oposição ao governo autoritário de forma tão fundamental e pública.
Pergunta: O que o Pussy Riot quer alcançar?
Tolonnikova: Uma revolução na Rússia.
Pergunta: E que tipo de Rússia vocês desejam?
Tolonnikova: Uma que, infelizmente, terei que esperar muito tempo para ver. Mas uma coisa é certa: quero destruir as coisas que considero os maiores males. E estou fazendo isso colocando em prática meus ideais de liberdade e feminismo.
Pergunta: A senhora ama seu país?
Tolonnikova: Amo a Rússia, mas odeio Putin.
Pergunta: Putin é o homem mais poderoso em um dos países mais poderosos da Terra. É possível vencê-lo?
Tolonnikova: A onipotência de Putin é uma ilusão. É óbvio que não é uma coisa ilimitada e o quanto a máquina de propaganda exagera o poder do presidente. Putin é dependente do Ocidente quase no mesmo grau que o Ocidente tem um interesse em exagerar seu poder. Na realidade, o presidente é pequeno e patético. Você pode ver isso em suas ações como pessoa e como político. Se um líder se sente confiante, como pode pensar em lidar com três jovens ativistas da oposição dessa forma?
Pergunta: A sua apresentação e sua prisão atraíram muito mais a atenção do mundo para os direitos civis e humanos na Rússia do que os recentes assassinatos dos jornalistas ou a introdução de uma série de novas leis repressivas. Por quê?
Tolonnikova: Porque nossa apresentação não foi trivial. Ela pegou o confronto entre governo e sociedade, em um contexto religioso, político e social. O julgamento contra nós revelou o caráter repressivo do regime. O sistema de Putin está desmoronando. Não é apropriado para o século 21 –é mais algo como saído das sociedades tribais, de regimes ditatoriais do passado. É incapaz de explicar por que três ativistas políticas têm que ser jogadas na prisão só porque usaram a Catedral de Cristo o Salvador como um local para uma performance de vídeo e proferiram algumas palavras fortes contra o sistema.
Pergunta: Vocês estão gostando da aclamação do Ocidente?
Tolonnikova: Estamos felizes por todo apoio que recebemos.
Pergunta: Se entendemos bem suas apresentações, não são apenas dirigidas a Putin, mas também são anticapitalistas. Em uma conversa com o “Spiegel” no ano passado, o ativista do Voina Oleg Vorotnikov justificou roubar comida com base no direito fundamental ao sustento.
Tolonnikova: Sim, fazemos parte do movimento global anticapitalista, que consiste de anarquistas, trotskistas, feministas e autonomistas. Nosso anticapitalismo não é anti-Ocidente ou anti-europeu. Nós nos vemos como parte do Ocidente e somos um produto da cultura europeia. As falhas da sociedade de consumo nos perturbam, mas não estamos buscando destruir a sociedade de consumo. A liberdade está no centro de nossa ideologia, e nosso conceito de liberdade é ocidental. Essa é uma luta pelo direito à definição de liberdade.
Pergunta: Vocês são feministas. O que caracteriza as mulheres hoje?
Tolonnikova: As mulheres russas estão presas em algum lugar entre o estereótipo ocidental e o eslavo. Infelizmente, a Rússia ainda é dominada pela imagem antiga da mulher como guardiã do lar, e as mulheres criam os filhos sozinhas, sem a ajuda dos homens. Essa imagem continua a ser cultivada pela Igreja Ortodoxa Russa, que torna as mulheres escravas, e a ideologia de Putin de “democracia soberana” aspira na mesma direção. Os dois rejeitam tudo o que é ocidental, inclusive o feminismo. Mas a Rússia também teve uma tradição de um movimento pela liberdade das mulheres ao estilo ocidental, que Stalin reprimiu. Espero que volte –e que possamos ajudar isso acontecer.
Pergunta: Vocês voltariam a usar um local religioso como locação para uma manifestação política?
Tolokonnikova: Somos artistas, e artistas nunca se repetem. Não porque temos medo de punição, e sim por sermos verdadeiros com nossos princípios artísticos.
Pergunta: Vocês entendem que muitos russos acham que seus sentimentos religiosos foram feridos, quando vocês fizeram uma dança selvagem na frente de um altar de igreja?
Tolokonnikova: O vídeo e o texto que o acompanha, que descreve as motivações políticas por trás de nossa apresentação, não são o tipo de coisa para prejudicar os sentimentos religiosos. Foi a imagem distorcida apresentada pela mídia estatal que mudou essa situação, acusando-nos de ódio religioso. Fico triste que tenha chegado a isso. No final, tanto nós quanto nossos críticos fomos vítimas da máquina de propaganda de Putin.
Grupo Pussy Riot é condenado na Rússia
Tolokonnikova: Definitivamente não. Esse não é o tipo de coisa que nos deixa felizes. O Pussy Riot nunca agiu contra a religião. Foram os ideólogos de Putin que nos acusaram de ódio religioso. Nossa motivação foi puramente política.
Pergunta: Em seu argumento final no julgamento, vocês citaram o Velho e o Novo Testamento. Vocês se consideram religiosas?
Tolokonnikova: Não acredito em Deus. Mas vejo a religião como uma parte importante da cultura.
Pergunta: Os patriarcas da Igreja fizeram uma campanha por leniência e perdão ao Pussy Riot. Vocês ainda os descreveriam como “desgraçados”, como fizeram na apresentação?
Tolokonnikova: A Igreja só pediu perdão depois que o veredito foi anunciado. Se eles queriam isso de verdade, por que não disseram isso antes? Não acreditamos nas intenções honestas da Igreja, assim como a promotoria não acreditou que nosso pedido de desculpas era honesto. Também a palavra “desgraçado” não era para os patriarcas. Só usamos como uma palavra para compor.
“Fico feliz que nossa luta continuará”
Pergunta: No tribunal, vocês se compararam a Fyodor Dostoyevsky e Alexander Solzhenitsyn. A fama subiu a sua cabeça? Solzhenitsyn passou oito anos em um gulag. E Dostoyevsky foi condenado à morte, perdoado no último minuto no local da execução e então exilado.
Tolokonnikova: Não queremos comparar nossas ações com o trabalho de Dostoyevsky e Solzhenitsyn, mas nossa preocupação é precisamente a atitude do governo em relação a vozes dissonantes.
Pergunta: Muitos oponentes de Putin acham que vocês foram longe demais com sua apresentação na catedral. Alexey Navalny, provavelmente o político de oposição mais popular do momento na Rússia, disse ao “Spiegel” que considerou a performance na catedral “estúpida”. Vocês dividiram a oposição?
Tolokonnikova: Navalny elogiou nossa apresentação na Praça Vermelha, quando chamamos Putin de covarde. Claramente, Navalny não compreende inteiramente a conexão entre a apresentação na frente do Kremlin e a da Catedral de Cristo o Salvador. Nosso objetivo de fato é a divisão, mas não da oposição. Queremos levantar a parte da sociedade que permaneceu politicamente apática e preferiu não trabalhar ativamente pelos direitos civis, e sim permanecer confortavelmente em casa. O que vemos agora e uma separação entre o governo e uma maioria silenciosa de russos.
Pergunta: Muitos russos pediram uma punição mais dura do que os dois anos aos quais vocês foram condenadas.
Tolokonnikova: Há uma correlação clara entre o julgamento contra nós e os índices de aprovação de Putin. As pesquisas mais recentes mostram sua popularidade caindo.
Pergunta: Houve algo que particularmente agradou ou irritou vocês nos meses que estiveram presas?
Tolokonnikova: A reação avassaladora ao que fizemos foi uma surpresa agradável. A reação do governo à nossa apresentação era esperada, já que afinal estamos lidando com um sistema autoritário. Mas fiquei satisfeita com o apoio dos amigos e de outros que pensam como nós, apesar das ameaças de anos na prisão que enfrentamos. Fico feliz que nossa luta por nossos ideais e valores continuará.
Pergunta: Vocês entraram com um recurso. Vocês esperam uma redução na sentença?
Tolokonnikova: Não ligo para isso.
Pergunta: Vocês não têm medo da vida na colônia prisional?
Tolokonnikova: Não sou eu, e sim as autoridades que devem ter medo.
Pergunta: O que vocês vão fazer quando forem liberadas da prisão? Vão sair em turnê mundial, lançar discos, ganhar dinheiro com a fama? Ou vão entrar para a política?
Tolokonnikova: Enquanto este sistema autoritário existir, há pouco sentido em pensar sobre essas coisas.
Nadezhda Andreyevna, agradecemos por esta entrevista.
Traduzido do alemão por Ella Ornstein e do inglês por Deborah Weinberg
Tradutor: Deborah Weinberg
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