sábado, 3 de novembro de 2012

Com cantada gay, “Skyfall” questiona a relevância da série James Bond

Daniel Craig e Javier Bardem em cena de “Skyfall”
“Quem disse que essa é a primeira vez?”, responde James Bond (Daniel Craig) ao vilão Silva (Javier Bardem) que nada discretamente lhe acaricia as coxas enquanto sugere que ambos se devorem até só restar um em pé. I beg your pardon, 007? Você? O símbolo da masculidade (e, algumas vezes, do machismo) já enroscou em lençóis masculinos? Ou seria apenas uma tentativa de tornar “Skyfall”, a 23ª etapa da saga 007, atrativa para a nova geração de jovens de sexualidade ambígua?
Pouco importa se Bond mostrou seus dotes de sedutor não apenas a bond girls. O que está por trás dessa fala é uma evidência de que a série, com 50 anos de idade, se prepara para uma nova atualização bastante evidente ao final do filme.
A primeira vez em que se considerou seriamente que James Bond estava morto foi quando Timothy Dalton encerrou sua curta carreira como 007 com um fracasso de bilheteria: “Licence to Kill” (“Permissão para Matar”, em português) arrecadou meros US$ 256 milhões e, embora tenha sido melhor considerado pela crítica que pelo público, mostrou que sua mitologia carecia de uma transformação para poder continuar em um mercado em que deveria concorrer com “Batman”, de Tim Burton, ou “Indiana Jones e a Última Cruzada”, de Steven Spielberg. O ano era 1989. O muro de Berlim ruiria em novembro, e a ameaça vermelha, a maior inimiga de 007, se tornaria uma velhinha senil, tal qual a mãe do protagonista de “Adeus Lênin”.
Levou seis anos para que o espião ressurgisse. Nesse período, o mundo passou por transformações profundas no campo da tecnologia, da política e dos costumes. O celular e a internet se espalharam, enquanto os inimigos da humanidade deixavam de ser blocos monolíticos para se tornarem vírus mutantes e organizações terroristas com ideologias difusas. Aí estava um desafio novo para um 007 pedante, iconoclasta, meio playboy e fascinado pelos novos desafios tecnológicos vivido com elegância por Pierce Brosnan.
De “Goldeneye” (1995) até “Die Another Day” (2002) começava uma fase em que a série receberia o tratamento mais intensivo de arte pop. Os clichês usados nos filmes protagonizados por Sean Connery e, mais tarde com certo apelo cômico, por Roger Moore, foram transformados em fetiches para os que cresceram vendo as aventuras insólitas do espião.
Junto a isso, marcas como Nokia e BMW passaram a competir com as invenções fictícias do agente Q e com a tradicional Aston Martin na concessionária do agente. Até que hoje, o terceiro longa estrelado por Daniel Craig bateu recorde de ações de merchandising, com itens que vão desde os incríveis carros até o terno do espião assinado pelo estilista Tom Ford.
Mas não é apenas disso que se trata “Skyfall”. Dirigido por Sam Mendes (“Beleza Americana”), o longa questiona a própria relevância e longevidade do personagem e, ao mesmo tempo, de um sistema de ideias e formas de interpretar a sociedade que parece estar em colpaso.
Em um período em que a Europa enfrenta uma grave crise econômica, 007 e sua mentora M (Judi Dench) têm de responder a seu povo, e de certa forma ao mundo, se eles e seus métodos não estariam um tanto ultrapassados em um panorama de crimes virtuais e de Estados globalizados.
O vilão de Javier Bardem (mais uma vez brilhante) é quem os coloca nesse conflito. Silva é um hacker que, por um motivo a ser explicado no filme, rouba dados do MI-6 e começa a revelar a identidade real de agentes secretos britânicos. Enquanto Silva chama o MI-6 e o império britânico de conceitos ultrapassados, a chefe do serviço secreto tenta convencer a ministra da defesa de que especialmente hoje, em que o inimigo pode ser qualquer um, nada mais eficaz que agentes secretos para combatê-los.

Conflito de gerações
Essa é a deixa para que Daniel Craig, com seu perfil de Bond brucutu, mostre que em tempos de Jack Bauer e Jason Bourne pode mais uma vez se adaptar às novas conjunturas, mas sem perder o charme e a essência do personagem. E é nisso que “Skyfall” se destaca dos outros filmes. Enquanto na era Pierce Brosnan pipocavam referências superficiais ou compreensíveis apenas para admiradores do espião e de sua mitologia (como Halle Berry em “Die Another Day” imitando a saída de Ursula Andress do mar em “Dr. No” ), “Skyfall” leva a coisa toda além da piadinha de Q sobre a caneta explosiva e a citação de 007 a “For Your Eyes Only”. Ele questiona, por meio de metalinguagem, a colisão de duas gerações que parecem não se entender.
Outro personagem que representa esse conflito é o agente secreto Q. Vivido pelo ator Desmond Llewelyn desde “Dr. No” (1962) até “The World is not Enought” (1999), em “Skyfall” o homem que inventa as engenhocas mirabolantes usadas por James Bond é um jovem nerd (Ben Whishaw) que também acredita que a maioria da “ação” hoje em dia acontece na internet e que alguém como Bond só é útil para apertar gatilhos. Por isso, entrega a 007 apenas uma arma e um rádio localizador. Quem, há 50 anos, imaginaria um 007 sem seus brinquedinhos? E hoje? Quem ainda se interessa por esse senhor “obsoleto”?
A resposta foi dada nas bilheterias. “Skyfall” faturou na primeira semana de sua exibição no Reino Unido 39,2 milhões de libras (cerca de R$ 128 mihões), tornando-se a maior bilheteria acumulada em uma semana no país. Bateu a primeira semana de nada menos que “Harry Potter e as Relíquias da Morte” e mostrou ao mundo que fórmula de seu sucesso é sempre feita com partes equilbradas de tradição e inovação. O filme relembra muito bem o passado e projeta habilmente o futuro da série: humor, ação, contemporaneidade e diálogo com outros filmes do gênero ação/suspense, como “Apocalipse Now”, “O Silêncio dos Inocentes” e até “O Exterminador do Futuro”. Sim, nos créditos finais somos avisados de que James Bond “will be back”. (JAMES CIMINO)

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