(Reuters) - Histórias de terror supostamente inspiradas em fatos reais são um dos grandes trunfos da cinematografia do gênero. Ao mesmo tempo em que elevam a curiosidade do espectador, dão crédito aos azarados que passaram pelas agruras de serem assombrados por entidades sobrenaturais.
Enganação ou não, a bilheteria e o assombro que causam são bastante palpáveis. O italiano "Holocausto Caníbal" (1980) se tornou um grande sucesso depois que o diretor Ruggero Deodato foi intimado e quase foi parar na prisão pelo conteúdo do filme.
"A Bruxa de Blair" (1999) fez história depois de uma bem-sucedida campanha na web que dizia, sem qualquer negação, ser produto de filmagens encontradas na floresta. E o que falar das franquias "Amityville" e "Atividade Paranormal", que multiplicaram os milhares de dólares de produção em milhões em bilheteria?
Nesse contexto, desde 2004 foi divulgada uma história na internet que, de tão insólita, só podia virar filme. Naquele ano, um norte-americano chamado Kevin Mannis comprou uma caixa de vinho judaico para sua mãe pelo site Ebay. Foi o princípio de uma série de problemas que levaram os protagonistas a uma delirante conclusão: se tratava de uma caixa dibbuk (não havia vinho ali e sim mechas de cabelos e dentes), do folclore judaico, que trazia um espírito malévolo atado a ela.
Os roteiristas Juliet Snowden e Stiles White (este, que está escrevendo a refilmagem de "Poltergeist") aproveitaram os calafrios que os relatos de Mannis causaram para criar a trama de "Possessão". Dizendo que se trata de um suplício causado por 29 dias a uma família, eles usaram de toda a liberdade para reinventar a história.
No filme, a pequena Em (Natasha Calis) encontra a tal caixa durante uma venda de jardim, daquelas tão comuns aos americanos. Ao pedir ao pai Clyde (Jeffrey Dean Morgan, da série de TV "Sobrenatural") que a compre, não sabe que o espírito no artefato --que foi à América junto à imigração de judeus pós-Holocausto-- praticamente mutilou uma idosa, tal como mostrado no início da projeção.
Quando a menina abre a caixa, já é o princípio da possessão dibbuk, cujo espírito une-se ao da pessoa em busca de vida. Uma transformação que, aos olhos dos pais, trata-se de uma série de comportamentos ariscos ao divórcio anunciado. Cabe então a Clyde decifrar o enigma da filha e salvá-la da maldição.
Poucos filmes se aventuraram nas tradições judaicas para compor a narrativa, o que é curioso. Mesmo o antológico "Golem" (1920), que resvala no terror fantástico, está bem longe da superficialidade com que tudo é tratado em "Possessão". O que salva a produção é a direção de Ole Bornedal (de "O Principal Suspeito") que, apesar dos cortes bruscos e das cenas com pouca iluminação, mantém o mínimo de tensão narrativa durante toda a projeção.
No entanto, quando se trata de filmes em que a presença de espíritos demoníacos é a grande atração, falta, aqui, a grande revelação. Mesmo no inacreditável das obras de terror, sempre há um motivo. Uma aposta, como em "Fausto" (1926), uma troca, em "Sexto Sentido" (1999), ou um acordo, como em "O Exorcismo de Emily Rose" (2005). Juliet Snowden e Stiles White apenas criaram uma obra de tensão, mas não verdadeiramente de terror. E os filmes do gênero buscam realmente uma experiência pessoal. Pode dar sustos no cinema; em casa, quando estamos sozinhos, não.
(Por Rodrigo Zavala, do Cineweb)
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