quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Psiquiatria-Lobby quer ampliar uso do eletrochoque

GUILHERME GENESTRETI/DE SÃO PAULO

"É injusto. Cardiologistas são heróis quando dão choque no peito, nós somos carrascos porque damos choque no cérebro". A frase do psiquiatra Moacyr Rosa, pesquisador da Universidade Duke, ilustra a polêmica em torno da eletroconvulsoterapia. Essa técnica é usada para tratar formas graves de depressão e transtorno bipolar, além de esquizofrenia catatônica (quando a pessoa fica prostrada por muito tempo) e outros casos que não respondem à medicação. A tecnologia do "eletrochoque" (o termo é considerado pejorativo) se modernizou nas últimas duas décadas, mas ele ainda é alvo do que seus defensores chamam de preconceito.
"Há pessoas que não admitem a aplicação de técnicas mais contundentes", diz o psiquiatra Sérgio Paulo Rigonatti, diretor do serviço de eletroconvulsoterapia do Hospital das Clínicas. Lá são feitas cerca de 25 aplicações diárias dessa terapia. Uma sessão custa cerca de R$ 650 em clínica particular de São Paulo. Em geral, o tratamento inclui de 10 a 12 aplicações, em dias intercalados. A eletroconvulsoterapia tem pouca semelhança com as imagens que a tornaram famosa em filmes como "Um Estranho no Ninho". Moacyr Rosa diz que os procedimentos atuais para a aplicação do "eletrochoque" são bem mais seguros. "A quantidade de eletricidade é muito menor. Os aparelhos permitem monitorar a atividade cerebral e cardíaca." Mesmo as convulsões causadas pela eletricidade são hoje contidas por anestésicos e relaxantes musculares.
Mas, segundo Antônio Mourão Cavalcante, professor titular de psiquiatria da Universidade Federal do Ceará, não se justifica substituir os remédios tradicionais pela eletroconvulsoterapia.
"A melhora com antidepressivos é mais duradoura. E, muitas vezes, não há diagnóstico certo para encaminhar pessoas a essa técnica." Cavalcante também elenca os problemas de memória como efeito colateral. O psiquiatra José Alberto Del Porto, da Unifesp, discorda: "A perda da memória com a eletroconvulsoterapia é, de fato, mais intensa do que a que pode ocorrer com antidepressivos, mas não deixa de ser passageira". Cavalcante diz que a técnica pode render receita extra para os médicos. "É bom para o médico e para os planos de saúde, mas não sabemos se é bom para o paciente."
REGULAMENTAÇÃO
Na quinta-feira, um comitê da FDA (agência que regula remédios nos EUA) reuniu apoiadores da técnica, como a American Psychiatric Association, e opositores, como entidades de defesa dos pacientes, para decidir a redução da classificação de risco da eletroconvulsoterapia. Por margem estreita de votos, os conselheiros mantiveram o procedimento como de risco 3, o mais alto. Mas a decisão final cabe à FDA, que vai definir o tipo de controle sobre a venda dos aparelhos. No Brasil, a eletroconvulsoterapia passou a ter controle mais rígido em 2002, quando o Conselho Federal de Medicina definiu várias regras para a técnica, entre elas a necessidade de anestesia geral, e estabeleceu as principais indicações. Mas Cavalcante não descarta a possibilidade de haver indicações inadequadas. O psiquiatra Sérgio Lima, da Unifesp, concorda. "Já atendi dependentes de drogas que contaram ter passado pelo procedimento. Correram risco sem ter benefício."

Editoria de Arte/Folhapress

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