"Qual foi a grande coisa que conseguiram com a morte de Bin Laden? A porta continua fechada entre os árabes e os Estados Unidos", disse Bial Al Bardi, um pregador muçulmano de Trípoli, Líbia
Para um homem que teve alguma responsabilidade por duas guerras e pelo aprofundamento da intervenção americana do Norte da África ao Iêmen e Iraque, a morte de Bin Laden serviu, mais do que qualquer coisa, como epitáfio para outra era. Para muitos no mundo árabe, onde três quintos da população têm menos de 30 anos, os atentados de 11 de setembro de 2001 são, em grande parte, apenas uma lembrança de infância.
“O mundo árabe está ocupado com seus próprios grandes eventos, com revoluções por toda parte” disse Diaa Rashwan, vice-diretor do Centro Ahram para Estudos Estratégicos e Internacionais, uma organização de pesquisa no Cairo. “Talvez antes da Tunísia, sua morte poderia ser grande coisa, mas não mais.”Ou, como Farah Murad, um estudante de 20 anos da Universidade Alemã no Cairo, disse a respeito dos ataques: “Eu tenho uma vaga lembrança, mas foi há tanto tempo”.A caçada dos Estados Unidos à Bin Laden há muito provocava suspeita em um mundo árabe que permanece profundamente cético devido ao apoio americano aos ditadores árabes e sua aliança irrestrita com Israel. Surgiram dúvidas na segunda-feira sobre o momento de sua morte.Alguns sugeriram que o paradeiro de Bin Laden era há muito conhecido, e que o momento em particular de sua morte foi de interesse para alguém – seja para o governo Obama, para o Paquistão ou outros.Em muitos lugares, ocorreram pedidos de vingança e fúria diante de sua morte, mais publicamente por Ismail Haniyeh, o primeiro-ministro palestino e líder do movimento radical islâmico Hamas, que o chamou de “um guerreiro muçulmano e árabe”. Outros insistiram que a batalha que Bin Laden simbolizava, entre os Estados Unidos e militantes islâmicos, continuará e, de fato, sua organização sempre foi difusa o suficiente para sobreviver à sua morte.
“Obama disse, ‘Justiça foi feita’”, disse Bial AL Bardi, um pregador muçulmano sunita da cidade libanesa conservadora de Trípoli. “Como?” “Nós não gostamos das reações e celebrações nos Estados Unidos”, ele acrescentou. “Que grande vitória é essa? Qual foi a grande coisa que conseguiram? Bin Laden não é o fim, a porta continua fechada entre nós e os Estados Unidos.”Mas mesmo assim, as condenações foram frequentemente cheias de nuances.Maram Shehadeh, um ativista islâmico e pesquisador na Jordânia, argumentou que os árabes veriam a morte de Bin Laden pelo prisma de sua própria antipatia em relação às políticas americanas – intervenções no Afeganistão e Iraque e apoio a Israel – sem levar em conta suas próprias posições. “Osama bin Laden é uma figura carismática popular para muitas pessoas, até mesmo moderados”, disse Shehadeh. “Eles consideram Bin Laden como um modelo para combater a hegemonia americana.”Mas ao mesmo tempo, Shehadeh argumentou que dentro do mundo muçulmano, a morte de Bin Laden passou a simbolizar um tipo diferente de revolução – um afastamento da violência e adoção de outras formas de engajamento político, devido à esperança de mudança democrática aberta pela Primavera Árabe mais ampla.Como se ressaltando isso, a Irmandade Muçulmana disse que com a morte de Bin Laden, “os Estados Unidos devem partir do Iraque e do Afeganistão”.Na Líbia, onde Gaddafi tem chamado seus adversários de seguidores de Bin Laden, quaisquer simpatias que pudessem existir pareceram evaporar diante da revolta doméstica. Eswahil Hassan, um médico na cidade líbia de Darnah, no oeste, uma das cidades mais religiosas da Líbia e um lugar que sentiu o peso da repressão de Gaddafi, disse que a notícia da morte mal provocou reação na manhã de segunda-feira.Ao tomarem conhecimento, ele disse que ele e um amigo no hospital conversaram a respeito dos problemas causados por Bin Laden aos líbios, que repentinamente tiveram que provar que não pertenciam à Al Qaeda. O amigo ficou feliz com o fim de Bin Laden, disse Hassan. “Que ele vá para o inferno”, ele citou seu amigo como tendo dito.
Na cidade de Misrata, Líbia, uma fortaleza rebelde que está sob sítio das forças do governo, um grupo de rebeldes armados expressou igualmente satisfação com a morte de Bin Laden, dizendo que esperam que isso permita aos Estados Unidos desviarem mais recursos militares para a luta deles.Citando as reportagens sobre o tiroteio que matou o líder da Al Qaeda, eles disseram que ele levou dois tiros na cabeça. “Agora, dois na cabeça de Gaddafi”, disse Ali Ahmed al Ash. “Não”, disse seu amigo, Mohammed bin Zeer. “Para Gaddafi, três.”A morte de Bin Laden será inevitavelmente vista como outro marco na evolução da relação entre o Islã político e o Estado árabe. Em 2001, Bin Laden era visto como símbolo da religião sob ataque, a personificação das frustrações do povo diante de uma fé aparentemente sobrepujada pela onipotência do Ocidente. Um corolário era a repressão dos próprios ativistas dentro do mundo árabe; muitos notaram que Ayman al Zawahiri, o vice de Bin Laden, se radicalizou dentro das prisões do Egito autoritário.Um senso de impotência, seja nos bairros mais pobres do Cairo ou nos bairros mais tradicionais de Riad, Arábia Saudita, parecia enfatizar seu apoio, particularmente para um movimento que trocava a ideologia rigorosa pela violência que serviu como um fim em si mesmo.“Após o fim da guerra fria e a América restar como única potência, ele foi o único a contrabalançar a América”, disse Islam Lofty, um ativista e líder da ala jovem da Irmandade Muçulmana, o maior grupo islamita do Egito.Apesar de ainda iniciantes, os levantes árabes, particularmente no Egito e na Tunísia, introduziram o início de uma nova política, uma na qual as correntes islamitas poderão ter uma participação. Apesar de permanecer a fúria em torno da política americana e do tratamento dado por Israel aos palestinos, a atenção em grande parte se voltou para dentro, à medida que os ativistas discutem que tipo de Estado surgirá.
“O problema agora não é como destruir algo, como resistir a algo, mas sim como construir algo novo – um novo Estado, uma nova autoridade, um novo relacionamento entre o público e a liderança, uma nova sociedade civil”, disse Radwan Sayyid, um professor de estudos islâmicos da Universidade Libanesa em Beirute.
*Mona El-Naggar, no Cairo (Egito), Nada Bakri e Hwaida Saad, em Beirute, Kareen Fahim, em Benghazi (Líbia), e C.J. Chivers, em Misrata (Líbia), contribuíram com reportagem
Tradução: George El Khouri Andolfato
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