Passei por tudo isso, mas nunca quis morrer. Eu quero é viver. E bem.
Aos 18 anos, Renato Franceschetti Filho queria fazer faculdade de letras e tradução e ser dublador de filme. Nessa mesma época, no entanto, foi expulso de casa por ser gay e, por insistência de uma tia, fez o teste da aids. Deu positivo. “Eu vou morrer. É o que vem à cabeça.”Os planos ficaram para depois. E o objetivo dos últimos 16 anos de Renato foi aprender a lidar com o vírus e com os efeitos que ser portador trouxe para a sua juventude Hoje, aos 34, está retomando a vida. Fez um blog – “Eu e o HIV: Vivendo um dia após o outro” – para falar sobre o assunto e tem tantos visitantes que iniciou a faculdade de psicologia para poder ajudar as pessoas que o procuram. Ele voltou a planejar o futuro e conversa abertamente sobre o fato de ser portador.
Um dia após o outro
O primeiro problema que enumera, sem precisar fazer esforço, são os relacionamentos amorosos. Foi também aos 18 anos que Renato perdeu a virgindade. Tudo ao mesmo tempo, a descoberta sexual tão logo trouxe o vírus. O motivo? “Eu tinha vergonha de comprar camisinha.”
Vergonha que veio de uma criação conservadora. Renato não conversava sobre sexo nem em casa e nem na escola. “Em casa, nunca se falou disso.”Ele lembra com detalhes a primeira vez que ouviu falar sobre a aids. “Eu tinha 13 anos e na TV estava passando um programa chamado ‘Aids: aconteceu comigo’. Aquilo me chocou muito, porque tratava como uma doença muito grave”. Quando fez o exame, namorava há alguns meses – antes de começar a namorar, no entanto, havia saído com outras pessoas. Os dois não usavam preservativos e, o resultado positivo de Renato significou também o de seu parceiro. “A gente não culpava um ao outro porque não dava para saber quem havia passado para quem.”Os dois ficaram juntos por 10 anos. Terminaram por “desgaste” e, depois dele, Renato foi casado por 5 anos com um homem que não era portador “e nem adquiriu durante o relacionamento, porque a gente se cuidava”, conta. Mesmo tendo relacionamentos duradouros, Renato tem dificuldades para se relacionar. “Já teve gente que, depois de me beijar muito, limpou a boca quando soube que eu era positivo”. A hora de contar é uma das mais complicadas. Ele prefere esperar um pouco: “Eu faço isso para que a pessoa possa me conhecer primeiro”. A relação sexual, no entanto, só acontece quando o parceiro já sabe.
Hoje, ele sabe encarar com mais naturalidade esse processo, mas conta cada uma das complicações do início. “Eu achava que ninguém ia querer ficar comigo. Me sentia feio. Com cara de doente”, lembra.
Nesse momento, Renato está iniciando um relacionamento. O seu parceiro não é portador e já sabe que ele é. Para ficar mais simples, ele iniciou sessões de terapia: “Assim, lido melhor”.
Não sou doente
O segundo problema que Renato enumera são os remédios. Quando descobriu o vírus, tomava 13 comprimidos por dia. Hoje são sete. Há quatro anos parou de tomar e percebeu que é essencial. Renato sabe que é necessário, mas acredita que seja uma das partes mais chatas do processo. “Remédio é para doente e eu não me sinto doente”. Em 16 anos, a doença nunca se manifestou. Mas sente medo. Hoje, diz que não tem mais medo de morrer, mas não pode deixar de sentir medo. Temor que, aliás, é compartilhado entre grande parte dos portadores. Renato conta que as pessoas que leem o blog o procuram “apavoradas”. E tem gente de todo lado do Brasil e até de fora. “Tem gente da África e de Portugal que vem me procurar.” Para ele, é o que há de mais positivo. O desabafo que faz no blog ajuda a si e aos outros e faz parte de seus planos para o futuro. “Quero aprender como lidar com quem me procura.” Pelo visto, ele está aprendendo rápido. Na primeira página do blog, há mensagens positivas e, logo nesta semana, um post sobre o suicídio. É um tema que Renato faz questão de falar e o faz com sabedoria.
“Passei por tudo isso, mas nunca quis morrer. Eu quero é viver. E bem.”
Aceitação do HIV ocorre de forma gradativa
A juventude já é turbulenta por si só. Quando diagnosticada nessa fase, a aids pode parecer o “fim da vida”. “O maior problema do mundo”. “Motivo para muita revolta”. Quem explica isso, é a pediatra Renata Toledo Masotti, que atende pacientes do CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) e no CRMI (Centro de Referência de Moléstias Infectocontagiosas) que atendem e acompanham portadores do vírus em Bauru. Por lá, ela lida com jovens e crianças portadoras e entende as dificuldades de se encarar a contaminação na juventude. “Quando eles recebem a confirmação do exame, choram, ficam bravos, acham que a vida acabou e até centrar a cabeça é um processo longo.” Ela explica que, muitas vezes, até que o jovem “centre a cabeça”, ele pode deixar os estudos e os planos, mas afirma que com acompanhamento psicológico e médico, o portador pode ter uma vida normal. “Com o uso dos retrovirais, ele mantém a imunidade boa e pode levar a vida normalmente. Tem que tomar certos cuidados, como não ingerir álcool e nem drogas, mas pode sair, se relacionar como qualquer outra pessoa.” O apoio da família é essencial nesse momento, salienta a médica que ainda esclarece que o primeiro momento é sempre mais complicado: “Alguns demoram um pouco para contar, mas depois as coisas se ajeitam”. Para ela, o principal é não ter medo de fazer o exame e começar o tratamento. “Quanto antes, melhor.” Opinião que é ratificada pela enfermeira do CRMI, Maressa Pelegrina. Ela salienta a importância do exame a qualquer momento da vida e ainda explica que hoje o resultado pode sair em menos de meia hora. “No CTA a pessoa pode conseguir o resultado em 15 minutos e, no caso de dar positivo, por lá mesmo já pode ser orientado sobre as providências a tomar. Não pode ter medo de saber”, diz. Todo o tratamento é gratuito e o portador tem acompanhamento médico e psicológico. Ela ainda esclarece que hoje a aids é vista de uma maneira diferente do que era há anos atrás e que pode ser tratada com mais recursos. “Hoje é muito mais fácil de cuidar e o tempo de vida do portador é muito maior. A aids já é vista como uma doença crônica que não te cura, mas tem tratamento.”Ela reafirma, no entanto, que o principal em relação ao vírus é a prevenção. “É possível evitar e as instruções sobre a prevenção estão em todo lugar.”
Resultado de exame sai em meia hora
É possível obter o resultado do teste da aids no CTA em menos de meia hora. Caso seja positivo, o centro realiza a orientação.
No Brasil, tratamento é feito de graça
O portador do HIV que realiza acompanhamento médico tem todo o tratamento financiado pelo Ministério da Saúde.
Serviço
Centro de Testagem e Aconselhamento
Onde: rua XV de novembro, 336
Telefone: (14) 3223-2576
Centro de Moléstias Infecciosas
Onde: rua Silvério São João, s/nº Telefone: (14) 3224-2380
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