Em 1978, quando levou seu show "Transversal do Tempo" para Recife, Elis participou de um ato público promovido por Dom Helder Câmara e "driblou" a polícia para homenagear o líder estudantil Edival Nunes, o Cajá
DANILO CASALETTI Em foto tirada em 1978, no Recife, Elis Regina(ao centro), conversa com Dom Helder Câmara e a atriz Leda Alves (Foto: Acervo pessoal Leda Alves)“Elis era temperamental. Não levava desaforo para casa”. Essas duas frases viraram clichês para definir a personalidade de Elis Regina (1945-1982). Alguns viam nisso a força que ela sempre impôs para a sua carreira. Outros enxergam suas atitudes com reservas. O certo é que Elis, cuja morte completa 30 anos nesta quinta-feira (19), comprava não só suas brigas, como as dos outros também.Um dos casos mais famosos em que Elis mostrou seu temperamento ocorreu em 1976, quando a cantora Rita Lee foi presa acusada de porte de maconha. Quando soube do fato, Elis decidiu ir ao Presídio do Hipódromo, na região central de São Paulo, para visitar a companheira de profissão. Em plena ditadura militar, fez um escândalo, pediu para ver a cantora e exigiu que um médico examinasse Rita, que estava grávida.Mas nem só famosos contavam com o apoio de Elis. Um outro episódio, esquecido e revelado recentemente pela revista Continente, ocorreu no Recife, em 1978 , durante o governo de Ernesto Geisel. Elis estava na cidade para apresentações do show "Transversal do Tempo", que tinha um roteiro com viés político e de forte crítica social. Lá, quis se encontrar com Dom Helder Câmara (1909 –1999), à época arcebispo de Olinda e Recife, conhecido por sua atuação contra as violações de direitos humanos no Brasil, em especial durante a ditadura.Quem aproximou Elis e Dom Helder foi a atriz e especialista em cultura popular Leda Alves. Elis a procurou por indicação de Frei Betto. Por coincidência, neste mesmo dia, à noite, haveria uma missa em favor da libertação do líder estudantil Edval Nunes da Silva, o Cajá, que havia sido preso em maio de 1978, na capital pernambucana, acusado de tentar reorganizar o Partido Comunista Revolucionário. Elis decidiu que participaria do ato religioso. E assim o fez. Subiu ao altar da Matriz de São José e entoou os cânticos da celebração. “Estávamos em plena ditadura e, mesmo assim, ela não se intimidou”, diz Leda, que se tornou amiga de Elis. Depois da missa, a Elis foi à sacristia conhecer Dom Helder. “Ela estava muito interessada no trabalho que ele fazia em defesa dos direitos humanos”, afirma Leda.No dia do primeiro show da temporada que faria em Recife, Elis decidiu dedicar o show ao estudante Edival Nunes da Silva, o Cajá. A homenagem rendeu a Elis uma repreensão da polícia local, que ameaçou impedir suas apresentações seguintes. No segundo show, Elis arrumou um jeito de falar o apelido do líder estudantil. Segundo o próprio Cajá, o que foi lhe contado depois é que Elis entrou no palco com a banda desfalcada do baterista. Alegando que não poderia começar o show sem um de seus músicos, perguntou por ele. Alguém apontou o músico sentando em uma das poltronas do Teatro Santa Isabel. Elis, marota, teria dito. ‘Vem cá, já. Não posso começar o espetáculo sem você’. “O público logo entendeu o recado e aplaudiu o ato de Elis”, diz Cajá, que hoje é sociólogo e tem 61 anos.Antes de deixar o Recife, Elis ainda tentou visitar o estudante na prisão. Não conseguiu. Optou por escrever uma carta. Na correspondência, escrita em um papel timbrado do hotel onde Elis se hospedou, o Othon Palace, Elis dizia para Cajá não esmorecer e continuar a lutar pela liberdade. Para Cajá, o ato de Elis foi ‘iluminado’. “Depois de Elis, outros artistas tentaram me visitar, como os atores Bruna Lombardi e Cláudio Cavalcanti”, afirma. “Ela tinha um compromisso com o que há de mais bonito no ser humano: a liberdade”, diz Cajá.Cerca de três meses após sua saída da prisão, em junho de 1979, Elis voltou ao Recife para uma apresentação e tentou marcar um almoço com Cajá. Ele, que havia acabado de se tornar pai, não pode comparecer, mas disse que, posteriormente, iria a São Paulo se encontrar com a cantora. O encontro dos dois nunca aconteceu . Em 19 de janeiro de 1982, o sociólogo, em meio a uma reunião da União Nacional dos Estudantes, foi surpreendido pela notícia da morte de Elis. No próximo mês de março, quando Elis completaria mais um aniversário, ele pretende realizar um show com artistas locais em homenagem à amiga.
30 anos sem Elis
Sara Saar
Do Diário do Grande ABC
Ela não só cantava, mas expressava toda a alma na música. Dona de interpretações passionais, Elis Regina (1945-1982) impressiona até hoje, quando se completam os 30 anos de sua morte prematura, que teria sido causada por intoxicação combinada de álcool e cocaína.
Em 19 de janeiro de 1982, a notícia chocava o País: a Pimentinha era encontrada morta no apartamento que ocupava nos Jardins, em São Paulo. No auge da carreira, planejando a gravação de um disco, a cantora deixou três filhos como frutos de sua paixão pela música: João Marcelo Bôscoli, Pedro Mariano e Maria Rita. Elis se consagrou como uma das maiores intérpretes da música brasileira por soltar a voz excepcionalmente poderosa enquanto a maioria cantava ‘baixinho' à la João Gilberto. "Elis rompeu com uma interpretação mais contida, mais para dentro, como todos faziam durante a bossa nova. Com "Arrastão", soltou a voz e o corpo para, juntos, produzirem uma explosão", analisa a jornalista Regina Echeverria, autora do livro "Furacão Elis".Como se já não bastasse, a intérprete também se notabilizou por revelar nomes que se tornariam referências no cenário como Milton Nascimento e João Bosco, que sempre compunham para Elis, tida como parâmetro de qualidade e ousadia. "Elis deu sorte de ter nascido em geração bastante talentosa, que a escolheu como porta-voz de suas produções", afirma Regina. Mesmo que as composições não fossem gravadas, a possibilidade já bastava para que os artistas mantivessem o nível de suas letras.
A novidade era combustível para a cantora, que lançou quase 30 álbuns durante os 18 anos de carreira. Era comum gravar trabalhos em pouco tempo, como o disco "Falso Brilhante" (1976), feito em dois dias.
GRANDES MOMENTOS - Nascida em Porto Alegre, a intérprete - filha de lavadeira e operário - começou a carreira ainda adolescente, cantando em rádios. Chegou a São Paulo em 1964, aos 19 anos, após tentar a sorte no Rio. E foi assim que o Brasil inteiro teve o prazer de conhecê-la. Em 1965, venceu o 1º Festival de Música Popular Brasileira (realizado pela TV Excelsior) com a música "Arrastão", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. "Na época, recebeu o apelido de Hélice Regina porque, ao defender "Arrastão", fazia igual uma hélice. Mas ela não gostava do apelido. Dizia: 'O meu nome é Elis Regina'", recorda o cantor Jair Rodrigues.
No mesmo ano, gravou o álbum "Dois na Bossa" em parceria com Jair. Ao lado do sambista, também apresentou o programa "O Fino da Bossa", que estreou na TV Record, em 1965, como referência da melhor música brasileira da época. "Éramos grandes amigos dentro e fora dos palcos. Jair Rodrigues e Elis Regina eram o mesmo que juntar a fome com a vontade de comer", diz o músico. E completa: "Antes ou depois do programa saíamos com outros artistas, jogávamos conversa fora, bebíamos ou tomávamos café. Era uma alegria total". A carreira solo de Elis então decolou.Marcos como a interpretação antológica da música "Atrás da Porta" e a parceria com Tom Jobim no clássico disco "Elis & Tom" (1974) despertaram o reconhecimento de vários músicos. Exemplo é Björk, da Islândia, que certa vez disse a Bôscoli: "Não teria jamais coragem de ir emocionalmente até onde Elis ia. Temo não conseguir voltar".
Apelidada de Pimentinha por Vinicius de Moraes, Elis possuía mais coragem do que a média das pessoas para dizer tudo o que passava pela cabeça. Ela criticava o regime militar já na fase pós-AI-5, promulgado em 1968. Referia-se aos militares como 'gorilas' da ditadura.
VIVA ELIS - Três décadas após a sua morte, a intérprete terá o legado revisto com o projeto "Viva Elis", que prevê para o segundo semestre turnê de Maria Rita interpretando, pela primeira vez, sucessos consagrados na voz da mãe e exposição multimídia itinerante pelo Brasil, além de documentário e livro baseados na trajetória. "A proposta é apresentar a obra de Elis para as novas gerações e, para quem já conhece, oferecer algo que nunca tenham visto. Contamos com a força de seu canto e seu carisma para encantar as pessoas, assim como aconteceu durante a sua trajetória", adianta Bôscoli.
Morte da cantora completa três décadas hoje. Data será marcada por eventos e lançamentos
Era 19 de janeiro de 1982, quando o brasileiro teve seu almoço interrompido por uma notícia trágica: a cantora Elis Regina estava morta. Emissoras de rádio e televisão interromperam a programação para acompanhar as últimas informações sobre o caso. Uma parada cardíaca havia vitimado uma mulher na vitalidade dos 36 anos, no auge do sucesso profissional, com planos de se unir ao namorado e prestes a assinar um contrato com a gravadora Som Livre. Dois dias depois, o laudo do Instituto Médico Legal apontava a causa do falecimento: uma fatal mistura de álcool com cocaína.A família levantou suspeitas sobre o laudo, assinado pelo polêmico legista Harry Shibata - responsável pelo documento que declarou como suicida o jornalista Vladimir Herzog, morto nas dependências do DOI-CODI. Além desse fato, havia o interesse de preservar a imagem de Elis Regina. Apesar das multidões que lotaram seu velório e enterro - só comparáveis à comoção vista com Chico Alves e Carmen Miranda - todos sabiam o linchamento moral pelo qual pode passar um ídolo de fato ou supostamente sucumbido por excesso de drogas. O caso recente de Amy Winehouse não nos deixa mentir.No entanto, como diz sua biógrafa, a jornalista Regina Echeverria, Elis não se enfileirou ao lado de outros ídolos que morreram de overdose. A fama de difícil, geniosa, temperamental não ocultou o reconhecimento de seu enorme talento. Conseguiu a aclamação de vários críticos como a melhor cantora do Brasil, em uma época em que o País tinha intérpretes do quilate de Maria Bethânia, Gal Costa, Clara Nunes e Nara Leão. Título raras vezes contestado. Desde o primeiro compacto simples, em 1961, chamava atenção pela afinação ímpar, timbre de voz claríssimo e muita personalidade vocal. No auge da carreira, nos anos 70, conseguia imprimir extrema emoção sem afetar a técnica. Antológica a interpretação de "Atrás da Porta", de Chico Buarque e Francis Hime, no álbum "Elis Regina", de 1972.Dos 11 aos 13 anos, ela cantou todos os domingos no programa Clube do Guri, da Rádio Farroupilha, no Rio Grande do Sul. Já mais conhecida e crescidinha para um programa desse nome, foi para a Rádio Gaúcha. Em 1965, com 19 anos, chegou a São Paulo, depois de breve passagem pelo Rio de Janeiro, onde havia tido seu primeiro contato com a bossa nova. O produtor musical Carlos Imperial, à época na TV Continental, conta que a ideia inicial era transformá-la em uma nova Celly Campello, dona do hit "Banho de Lua". "Eu não quero ser Celly Campello. Eu vou ser Elis Regina", respondeu a cantora, já dando uma mostra de sua personalidade.Fã de Ângela Maria e outros cantores do rádio, ela preferiu ouvir os conselhos do então namorado, Edu Lobo. É dele a canção que a fez explodir no cenário musical brasileiro, quando venceu o Festival da TV Excelsior, em 1965, com "Arrastão" - uma performance surpreendente para uma jovem de pouco mais de 20 anos, cujo movimento de rodopio dos braços levou o coreógrafo Lennie Dale a apelidá-la de Hélice e a amiga Rita Lee a chamá-la de Elis-cóptero. Era o começo de um voo que a alçaria ao posto de primeira estrela da canção popular da era da televisão, inclusive com a apresentação de programas próprios. Cantoras contemporâneas a ela como Bethânia e Nara se fizeram no teatro.Apesar da afinidade com a televisão, foi uma das últimas artistas a gravar para o Fantástico, na Rede Globo, prática comum nos anos 70. Para ela, o tratamento dispensado aos cantores era muito dependente das telenovelas da emissora. Programas sobre música brasileira, acreditava, eram decorrência de um personagem da novela "Pai Herói". "É sempre uma questão de modismo e se a gente ficar muito cheio de escrúpulos, muito cheio de ´nheco-nheco´, numa postura de ´não me misturo´, vai a cada dia que passa ficando pior", disse em entrevista à Folha de São Paulo, em 1979. Sua opinião sobre a valorização da música nacional era tão ferrenha que havia liderado, em 1967, uma passeata na avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo. A causa: protestar contra a "invasão" das guitarras elétricas. Se podia ser acusada de reacionária nesse aspecto, tinha uma postura bem diferente quando a discussão abordava o papel da mulher. Embora não se assumisse feminista, era favorável à legalização do aborto e gostava de falar sobre a "opressão da mulher pelo capitalismo", como em uma entrevista à TV Gaúcha, em 1981.Ela havia participado pouco antes de uma série de entrevistas e musicais do especial "Mulher 80", da Globo - originado a partir do seriado "Malu Mulher", considerado um marco da televisão nacional, ao retratar a condição da mulher brasileira no fim dos anos 1970, com todas as polêmicas inerentes ao período, como o divórcio.Orgulhando-se de falar o que pensava, questionava o mercado de trabalho para os artistas e não poupava a indústria fonográfica. Recebia por trimestre, pela execução das músicas, de quinze a dezoito mil cruzeiros - "menos de um salário mínimo", segundo contou à Folha de São Paulo, em 1979. Não escondia a mágoa do cartunista Henfil, do Pasquim, que por duas vezes a "enterrou" em charges. A motivação foi uma gravação de Elis, a contragosto, conclamando a população a cantar o Hino Nacional e depois uma apresentação na Olimpíada da Semana do Exército. Num momento de repressão política, parecia imperdoável a um artista tão engajado quanto Henfil uma concessão como essa. O irmão do cartunista, o sociólogo Betinho, indiretamente levou Elis do inferno ao paraíso com os opositores do regime militar. Sua interpretação de "O Bêbado e a Equilibrista" se tornou o hino da Anistia.
Durante a carreira, Elis se destacou também pela complexidade e diversidade de gêneros por que transitou. A bossa nova deu lugar à MPB, mas cantou também samba, rock e jazz. Alimentava a curiosidade musical, gostava de conhecer novos compositores e, se eles a conquistavam, tinham espaço garantido. Foi assim com Renato Teixeira ("Romaria"), Ivan Lins ("Madalena"), Belchior ("Como nossos pais"), João Bosco e Aldir Blanc ("O Bêbado e a Equilibrista"), que eram até então desconhecidos. Com Fagner, gravou "Mucuripe", em 1972, projetando-o nacionalmente. Um dos seus favoritos era também um grande admirador em retribuição: Milton Nascimento a elegeu como musa inspiradora e a ela dedicou inúmeras composições.
Segundo o ex-marido, Ronaldo Bôscoli, o temperamento genioso de Elis Regina escondia uma pessoa insegura. Em entrevistas, não escondia o desconforto com shows, que fazia "porque tinha que fazer". Sensível, frágil às vezes, sem papas na língua, generosa musicalmente e, para os amigos, dona de um humor peculiar. Sua personalidade era tão complexa quanto os rumos musicais que tomou. Daí ser mais fácil entender porque a amiga Rita Lee gosta de complementar o apelido de Pimentinha cunhado por Vinicius de Moraes: "era uma pimenta doce". Tempero, que 30 anos depois, continua fazendo falta.
MÔNICA LUCAS
ESPECIAL PARA O CADERNO 3
Durante a carreira, Elis se destacou também pela complexidade e diversidade de gêneros por que transitou. A bossa nova deu lugar à MPB, mas cantou também samba, rock e jazz. Alimentava a curiosidade musical, gostava de conhecer novos compositores e, se eles a conquistavam, tinham espaço garantido. Foi assim com Renato Teixeira ("Romaria"), Ivan Lins ("Madalena"), Belchior ("Como nossos pais"), João Bosco e Aldir Blanc ("O Bêbado e a Equilibrista"), que eram até então desconhecidos. Com Fagner, gravou "Mucuripe", em 1972, projetando-o nacionalmente. Um dos seus favoritos era também um grande admirador em retribuição: Milton Nascimento a elegeu como musa inspiradora e a ela dedicou inúmeras composições.
Segundo o ex-marido, Ronaldo Bôscoli, o temperamento genioso de Elis Regina escondia uma pessoa insegura. Em entrevistas, não escondia o desconforto com shows, que fazia "porque tinha que fazer". Sensível, frágil às vezes, sem papas na língua, generosa musicalmente e, para os amigos, dona de um humor peculiar. Sua personalidade era tão complexa quanto os rumos musicais que tomou. Daí ser mais fácil entender porque a amiga Rita Lee gosta de complementar o apelido de Pimentinha cunhado por Vinicius de Moraes: "era uma pimenta doce". Tempero, que 30 anos depois, continua fazendo falta.
MÔNICA LUCAS
ESPECIAL PARA O CADERNO 3
Tributo a Elis Regina reune 4 mil pessoas no Rio - vai ao ar no canal Viva no dia 21 14:30
Elis Regina, considerada uma das melhores cantoras brasileiras de todos os tempos, ganhou uma homenagem no 'Som Brasil - Tributo a Elis Regina'. O programa reuniu mais de 4 mil pessoas em uma casa de shows do Rio de Janeiro para celebrar a obra da intérprete, falecida em 19 de janeiro de 1982. O especial vai ao ar no canal Viva, na TV paga, no dia 21, às 23:00, e será reapresentado no domingo, 22, às 18:00. Participam os filhos Joao Marcelo Bôscoli, Pedro Camargo Mariano e Maria Rita. Entre as vozes femininas no elenco estao Alcione, Ivete Sangalo, Ângela Maria, Sandra de Sá, Marina, Zizi Possi, Nana Caymmi, Leila Pinheiro, Renata Arruda, Fafá de Belém e Sandy. No repertorio, cançoes emblemáticas da carreira da artista como 'Maria Maria', 'O Bêbado e o Equilibrista', 'Mestre Sala dos Mares' e 'Dois Prá Lá, Dois Prá Cá'.
Mostra multimídia vai reunir frutos de décadas de paixão de Elis ReginaRedação do DIARIO DE PERNAMBUCO
Allen Guimarães nasceu Alcindo 45 anos atrás e há 30 vive boa parte de seu tempo em nome de Elis Regina. Foi vendo os programas exibidos quando da morte da cantora, ocorrida em 19 de janeiro de 1982, que ele constatou que conhecia, sim, aquela voz, a de sucessos como "Lapinha" e "Madalena". E que precisava ver e ouvir mais essa mulher, desaparecida aos 36 anos em função de uma combinação possivelmente acidental de álcool e cocaína.
O projeto "Viva Elis", maior evento inspirado nas três décadas sem a artista, só começará a rodar o país em março (ver datas e locais em box nesta página) graças a fãs apaixonados como Allen — o nome foi adotado durante uma estada nos EUA, já que um amigo não conseguia pronunciar "Alcindo". O paulistano se transformou no epicentro de uma rede de pessoas que, sem receber ordem ou dinheiro de ninguém, vinham montando acervos dedicados a Elis à espera de uma chance de torná-los públicos. A chegada desse momento permitiu a reunião inédita de, por enquanto, cerca de 500 fotos, mil reportagens de jornais e revistas, 36 horas de vídeos e um tempo ainda não calculado de áudios."E toda semana nos ligam oferecendo mais coisas", conta João Marcello Bôscoli, de 41 anos, o mais velho dos três filhos da cantora e principal responsável pelo "Viva Elis", projeto de R$ 6 milhões patrocinado pela Nívea e com programação gratuita cujo carro-chefe é uma exposição multimídia baseada no material reunido.
Seu desejo é, após o fim da mostra, manter tudo — inclusive o pouco que a família tem — na sede de um Instituto Elis Regina, a ser criado em São Paulo, Rio ou Porto Alegre (cidade natal da artista). "Não vamos guardar numa caixa", diz ele.
Documentário - Allen está há seis anos na Trama, produtora e gravadora de João Marcello, e trabalha com Maria Rita, que participará de "Viva Elis" cantando o repertório da mãe. Ganhou o emprego graças à fama de obcecado pela cantora firmada entre 2000 e 2005, quando era funcionário da Universidade Federal de Uberlândia. Com o respaldo acadêmico, contatou instituições e emissoras de outros estados e países, formando uma coleção preciosa. Por exemplo: especiais de TV de Portugal, França e Alemanha, matéria-prima de um possível DVD futuro.Mal resolveu estudar cinema, pôs na cabeça a ideia de um filme sobre Elis. Câmera na mão e mochila nas costas, fez 48 entrevistas. Foi reprovado por faltas. Ouviu em Uberlândia que documentário com mais de 20 minutos é chato. O seu tem seis horas, que foram exibidas em capítulos numa semana dedicada à cantora na universidade. A exposição de "Viva Elis" terá uma versão reduzida. A transcrição das entrevistas responde pela maior parte de um livro de Allen (também batizado de "Viva Elis"), que será enviado a bibliotecas na mesma época da mostra.Do acervo que está em suas mãos, 90% vieram do Elis em Movimento, grupo criado em 1 de maio de 1982, em São Paulo, com o intuito de coletar o que dissesse respeito à carreira da cantora, não à vida pessoal. Chegaram a ser 700 sócios, enviando de todo o país fitas, fotos, bilhetes, revistas. A busca de um patrocínio foi em vão.
"Havia preconceito. Uma companhia aérea disse que ela era uma "fumeira" (usava drogas)", lembra um dos diretores, o sociólogo e assessor de imprensa Beto Previero, de 69 anos. "Não queríamos parecer um bando de alucinados. Foi preciso que saíssem uns fanáticos que viam Elis em cima da geladeira, em qualquer lugar. E realizamos 29 edições da Semana Elis. Agora, a função está cumprida".
Eles receberam de mães cujos filhos morreram em consequência da Aids coleções deixadas sobre a cantora. Em 2011, temendo que, após morrer, sua família jogasse fora o acervo montado ao longo dos últimos 46 anos (ingressos de todos os espetáculos, 40 discos de vinil, 70 CDs, dez pastas com recortes de jornais, três retratos de Elis que comprou de pintores de rua e 300 fitas de programas de rádio gravados na empresa de peças para relógios em que trabalhava), a paulista Isaura de Oliveira, de 62 anos, doou tudo para Allen. "Ele me prometeu digitalizar. Não quero ganhar dinheiro, mas que tudo fique preservado", diz ela.A jornalista carioca Teresa Cavalleiro também nunca vendeu os registros em super-8 que, ao lado do amigo Acyr Fonseca, fez do último show de Elis aberto ao público, em novembro de 1981, no Teatro João Caetano — em dezembro daquele ano, ela realizou um fechado para uma empresa. São imagens sem nitidez, mas históricas, de "Se eu quiser falar com Deus" e "O trem azul"."Para ver minhas imagens na exposição, vou levar uma caixa de lenços", imagina Teresa, de 53 anos, que tem na sala de trabalho um pôster do show "O trem azul". "Nos dias 19 de janeiro e 17 de março (data de nascimento de Elis), uso a camisa do "Saudade do Brasil" (show de 1980), com o nome dela na bandeira no lugar de "Ordem e progresso"".
Da Agência O Globo
Rita Lee, Milton Nascimento e outros relembram vida de Elis em SP
O amor de Elis Regina por São Paulo durou aproximadamente 18 anos entre hiatos e acontecimentos marcantes da MPB. Foram festivais, programas de TV, shows, gravações e pelo menos quatro residências na capital que sediaram encontros entre músicos e ensaios. Nas horas vagas, Elis buscava compensar o estrelato num cotidiano de mãe paulistana: levava os filhos para a escola, fazia compras, frequentava cinema e saía para jantar.
A gaúcha, cuja morte completa 30 anos na próxima quinta (19), chegou à cidade em 1964, aos 19 anos, após tentar a sorte no Rio. Seu primeiro show aconteceu no extinto bar Djalma, da praça Roosevelt, região central. O produtor Solano Ribeiro, primeiro namorado, a levava para o João Sebastião Bar, o Bar Redondo e a Galeria Metrópole, redutos artísticos."Foi ali que a apresentei ao cineasta Glauber Rocha. Ele estava inaugurando uma nova linguagem, o Cinema Novo", conta. "Mas sugeriu que a gente assistisse a 'A Hard Day's Night', primeiro filme dos Beatles, dizendo que era muito inovador. A Elis amou."
A cantora, que morava num apartamento na avenida São João, gostava de cantar na janela. Sua consagração veio em 1965 com o primeiro Festival de Música da TV Excelsior. Do júri do teatro, atual Cultura Artística, o radialista Walter Silva "Pica-Pau" convidou-a para participar do show "Dois Na Bossa", ao lado de Jair Rodrigues. As apresentações deram origem ao programa "O Fino da Bossa", no ar até 1967 na TV Record."O teatro ficava no final da Consolação e a fila vinha desde o cemitério. Havia trânsito e buzina", relembra Jair. O pianista Amilton Godoy, do Zimbo Trio, banda titular do programa, acredita que o "Fino" marcou a preferência de Elis pela cidade. "Ela achava que o paulista era mais qualificado para ouvir música, não aplaudia qualquer oba-oba e era mais aberto ao que vinha de fora."
Ineditismo
Elis Regina já recebia o maior cachê do Brasil quando se mudou para um apartamento na avenida Rio Branco, na região central. Milton Nascimento foi até lá para mostrar suas músicas. "Gilberto Gil também era iniciante. Estava lá ajudando Elis a escolher repertório para o próximo disco", conta Milton. "Toquei todas as minhas músicas com os dois em silêncio. Até que ela me perguntou se não havia mais nenhuma. Por fim, apresentei a 'Canção do Sal' e ela decidiu gravar. Tudo que eu compus desde então foi para Elis", afirma.
A cantora liderou uma passeata contra as guitarras elétricas, na avenida Brigadeiro Luís Antonio, ao lado de Jair, Gil e Edu Lobo, antes de se mudar para o Rio e se casar com Ronaldo Bôscoli, em 1967. Só voltou após a separação e um novo casamento com o músico César Camargo Mariano.
Faxina e churrasco
A primeira casa paulistana de Elis e César estava localizada na rua Califórnia, no Brooklin, zona sul. "João Marcello, filho dela, tinha quatro anos e ficava vestido de Batman, voando entre os instrumentos", conta o guitarrista Natan Marques, que esteve lá em 1974 para um ensaio. Na época, a cantora era vista andando de ônibus pela zona sul, contam os mais próximos.
Após o nascimento do filho Pedro, em 1975, ela estreou "Falso Brilhante", show de atmosfera circense. Os ensaios aconteciam numa sala cedida pela prefeitura embaixo do viaduto do Chá, na região central. "Ela achou o lugar muito sujo. Fez uma baita faxina no primeiro dia. Depois, preparou lanches para todos os músicos", lembra Natan.Foram mais de 1.200 apresentações em 14 meses no teatro Bandeirantes, na rua da Consolação. Depois dos shows, bares e restaurantes do centro e da zona oeste recebiam a trupe. Os mais procurados eram Dona Graxa, Piolin, Gigetto, Senzala, Rubaiyat e Don Curro.Foi de Elis a única visita que Rita Lee recebeu quando estava presa na cadeia do Hipódromo, em 1976. "Ela rodou a baiana para saber se me tratavam bem. Eu era da turma das guitarras contra a qual eles fizeram a passeata em 1967. Mas, a partir dali, viramos amigas de infância.".Com a mudança para a serra da Cantareira, na zona norte, as reuniões caseiras se tornaram mais comuns. "Ao invés de cães de guarda, eram gansos brabíssimos que vinham nos receber. Morria de medo deles", também conta Rita.A cantora Márcia, companheira desde as rádios gaúchas, também foi comadre. "Nós falávamos de maridos, bordado e artesanato. Nossos filhos estudavam no colégio Pueri Domus. Ela achava que São Paulo era o melhor lugar do Brasil para criar filhos", diz.O compositor Thomas Roth esteve no hospital São Luiz após o nascimento de Maria Rita, caçula de Elis. "Ela optou por uma técnica de parto similar à dos indígenas. Foi nos receber na porta, enquanto César descansava na cama. Com um senso de humor incrível, apontou para César e disse: vejam no que deu o parto de índio."João Marcello se lembra de passeios pelo Simba Safari, pelo Planetário e pelo Mercado Municipal. "Ela ia meio disfarçada com lenço e óculos escuros. De vez em quando era descoberta e precisávamos ir embora correndo. Mas, como adorava fazer esse tipo de coisa, sempre voltava", conta.
Açougueiro na Vila Albertina, zona norte, o português Manoel Rodrigues ajudava a cliente, que era baixinha, a descer de seu jipe. Maria Rita ia para o colo do comerciante. Elis usava o telefone da loja e até pegava emprestado alguns cruzeiros para ir à quitanda. "Ela entendia de carne. Tirava a peça do gancho e cortava o contra-filé da bisteca em pedaços grandes", conta.
"Ela fazia churrascos, era corintiana e gostava do Lula. Gravava discos no Bexiga e almoçava nas cantinas mais banais do bairro, sem cerimônia. Não é à toa que o povo se identifica com ela", diz o compositor Renato Teixeira, que alugou a casa de Elis na Cantareira quando a cantora se mudou para o último apartamento, na rua Melo Alves, Jardins, zona oeste.
Fiat 147
O assessor de imprensa Marcio Gaspar trabalhou na divulgação do álbum "Essa Mulher" (1979). De tanto rodar a cidade a bordo de um Fiat 147 rumo às rádios paulistanas, os dois ficaram amigos. Gostavam também de varar a madrugada conversando em passeios de carro pela avenida Paulista. "Ela mudava de humor muito rápido, competia com as outras cantoras. Quando esbravejava, ficava completamente vesga. Mas era muito divertida", afirma.Foram ainda duas temporadas de shows na zona norte de São Paulo. "Essa Mulher" (1979) estreou no Palácio Anhembi. "Trem Azul" (1981), seu último show, inaugurou o Canecão Santana, extinto logo depois. Segundo os amigos, Elis parecia bem disposta, preparava um novo disco e procurava imóveis no Alto de Pinheiros, na zona oeste, quando morreu por overdose de cocaína, álcool e medicamentos.
Na manhã de 19 de janeiro de 1982, uma multidão se aglomerou em frente ao prédio. "A janela da sala estava aberta, havia muita tristeza e silêncio", diz a aposentada Alba Provezano, que estava presente. O cortejo fúnebre reuniu milhares de pessoas, partindo do teatro Bandeirantes até o cemitério do Morumbi. Elis Regina foi enterrada vestindo uma camisa com a bandeira do Brasil.
Saudades de Elis promete grandes emoções
Show será nesta quinta no Gustavo LeiteMárcio Ândrei com divulgação
divulgação
Para homenagear uma das maiores intérpretes da música brasileira, Elis Regina, na próxima quinta-feira, 19, data de 30 anos de sua morte, será realizado o show “Saudades de Elis – 30 anos”, no Teatro Gustavo Leite. Na oportunidade dez artistas alagoanos, Wilma Araújo, Igbonan Rocha, Wilma Miranda, Dhyda Lyra, Cris Braun, Fernanda Guimarães, Nara Cordeiro,Junior Almeida, Elaine Kundera e Irina Costa, vão fazer parte do brilhante show capitaneado pela grande dama da música alagoana Leureny.
O show, idealizada pela produtora cultural, Silvana Chamusca, que já realizou o evento por ocasião dos 20 anos de morte da cantora, com muito sucesso, traz em seu currículo, entre diversos projetos: “CD Dama da Noite” de Leureny, “Ventos do Nordeste” Eliezer Setton, “Elas Cantam Bossa Nova” – 50 anos de Bossa Nova, “Ele por Elas” – show apresentado no dia mulher com diversas cantoras alagoanas cantando Chico Buarque, 20 anos Ballet Iris de Alagoas, entre muitos outros.Tem a direção musical do experiente Félix Baigon, Direção Cênica de José Márcio Passos, e uma banda de primeira: Dinho Zampier (teclado), Jiuliano Gomes (teclado), Van Silva (Baixo), Tony Augusto (guitarra) e Allyson Paz (bateria).
Com certeza será um show emocionante, um repertório de clássicos da cantora que vai do período de "2 na bossa", passando pelo Bêbado e o Equilibista, Atrás da Porta, Fascinação, Deus Lhe Pague, Como nossos Pais, Casa no Campo, Ponta de Areia, Canção da América, Romaria, é um repertório de 30 canções, com várias imagens e vídeos editados da cantora, compondo o cenário e com um belíssimo plano de luz, que certamente contagiará o público.
Venda de Ingressos no Stand Sue Chamusca,Maceió Shopping, maiores informações pelo fone: 9106-2665
A última passagem de Elis por Porto Alegre, sua terra natalO show, idealizada pela produtora cultural, Silvana Chamusca, que já realizou o evento por ocasião dos 20 anos de morte da cantora, com muito sucesso, traz em seu currículo, entre diversos projetos: “CD Dama da Noite” de Leureny, “Ventos do Nordeste” Eliezer Setton, “Elas Cantam Bossa Nova” – 50 anos de Bossa Nova, “Ele por Elas” – show apresentado no dia mulher com diversas cantoras alagoanas cantando Chico Buarque, 20 anos Ballet Iris de Alagoas, entre muitos outros.Tem a direção musical do experiente Félix Baigon, Direção Cênica de José Márcio Passos, e uma banda de primeira: Dinho Zampier (teclado), Jiuliano Gomes (teclado), Van Silva (Baixo), Tony Augusto (guitarra) e Allyson Paz (bateria).
Com certeza será um show emocionante, um repertório de clássicos da cantora que vai do período de "2 na bossa", passando pelo Bêbado e o Equilibista, Atrás da Porta, Fascinação, Deus Lhe Pague, Como nossos Pais, Casa no Campo, Ponta de Areia, Canção da América, Romaria, é um repertório de 30 canções, com várias imagens e vídeos editados da cantora, compondo o cenário e com um belíssimo plano de luz, que certamente contagiará o público.
Venda de Ingressos no Stand Sue Chamusca,Maceió Shopping, maiores informações pelo fone: 9106-2665
O jornalista e crítico musical Juarez Fonseca conta a conversa que teve com Elis quando ela levou o show "Trem Azul" a Porto Alegre
DANILO CASALETTI
Quando Elis Regina levou o show Trem Azul para Porto Alegre para uma única apresentação no Ginásio Gigantinho, o jornalista Juarez Fonseca foi escalado para participar de uma entrevista coletiva que Elis deu um dia antes do espetáculo. Como já era bem próximo de Elis, acabou ganhando uma entrevista exclusiva. Nela, Elis se mostrou, segundo Fonseca, um pouco angustiada com problemas de contratos com as gravadoras. “Ela disse que havia pensando em largar a música, que jamais poderia fazer isso, que cantar era tudo o que ela mais gostava na vida”, diz Fonseca. O jornalista também diz que o povo gaúcho era muito fiel a Elis.
Elis Regina, ainda menina, quando cantava em rádio. Foi nessa época que ela gravou seus primeiros discos
ÉPOCA – Você se lembra da passagem do Trem Azul por Porto Alegre?
Juarez Fonseca – Lembro, sim, Eu assisti ao show. Foi em outubro, no Ginásio do Gigantinho, a primeira vez que ela se apresentou em um ginásio. Ela estava acostumada a se apresentar no Teatro Leopoldina quando vinha para cá. Por esse fato e pelo show não estar totalmente lotado, eu senti a Elis um pouco desconfortável. E também por estar passando por um período duro na vida pessoal. No dia anterior, eu participei de uma coletiva de imprensa em um hotel. Percebi que ela estava impaciente durante a entrevista. A cantora antes do estouro de "Arrastão
"Eu já tinha intimidade com ela, já a havia entrevistado por diversas vezes, a gente conversava muito. Quando terminou a coletiva, ela disse que era para eu acompanhá-la até o quarto que ela daria uma entrevista exclusiva para mim. Lá em cima, ela despejou uma série de angústias que estava sentindo naquela época. Deu uma entrevista longa. Entreguei para o editor do Zero Hora e elerecusou a entrevista. Ele disse: “essa mulher estava alterada”.
A cantora na época em que gravou seu primeiro disco de sucesso, "Samba eu canto assim"
Não sei de onde ele tirou aquilo. Eu não havia tido essa sensação. Eu acabei publicando essa entrevista no Coojornal, no formato de um texto corrido com o título “Os dramas de Elis”. Depois, publiquei um outro texto com essa entrevista na revista Aplauso (leia trechos desse trecho ao fim desta entrevista). Foi um sucesso. A edição esgotou.Ela disse que havia pensando em largar a música, largar a carreira, abrir um bar e ficar cantando somente para os amigos"Juarez Fonseca
ÉPOCA – E quais eram essas angústias?
Fonseca – A Elis tinha se desentendido com a gravadora da WEA, tinha lançado um disco pela Odeon e tinha assinado um contrato com a Som Livre. Ela reclamou que a WEA havia sugado a saúde e a energia dela com esquemas de trabalho superpesados. E essa gravadora estava exigindo que ela lançasse um outro disco. Ela também já estava separada do César Camargo Mariano. Ou seja, já eram problemas que vinham pesando há algum tempo na cabeça dela. Ela disse que havia pensando em largar a música, largar a carreira, abrir um bar e ficar cantando somente para os amigos. Mas ela também disse que jamais poderia fazer isso, que cantar era tudo o que ela mais gostava na vida. Essa entrevista foi em outubro.
ÉPOCA – Ela era melhor em quê?
Fonseca – Ela tinha um feeling especial para lançar compositores e descobrir músicas. Lançou Milton Nascimento, Belchior, Ivan Lins e muitos outros. No começo de carreira, os produtores queriam que ela fosse uma substituta de Celly Campelo, que era um grande sucesso e havia decidido abandonar a carreira.
Parar de cantar? Abrir um bar?
“Às vezes a gente tem idéias malucas, mas a gente não é louco. Eu sou louca de parar de cantar? Eu morro! Mas juro que pensei nisso, porque não queria mais ouvir falar aquelas histórias todas. Alguém dizia 'músico' e eu ficava com erisipela, toda empipocada.... Música, gravar, televisão, disco, arghh!; eu entrava em pânico e me fechava no quarto. Era uma crise braba, séria, pesadona. De me passar pela cabeça a idéia de suicídio e tudo, coisa que eu nunca havia pensado na vida. Felizmente hoje já estou legal, mas o trabalho de desobstrução foi lento. Quando eu puder respirar mais livremente, vou me apaixonar pela música de novo.”
No sábado 19 de setembro, dia do show no Gigantinho, Elis parecia outra pessoa. Riu muito à tarde, contou e lembrou histórias, passeou pela cidade. À noite, deu ao público que não lotava o Gigantinho uma apresentação impecável, ágil, renovada, quente e afetiva. Calçava botas e a saia era uma estilização do xiripá gaúcho. Nos camarins, depois, estava alegre, beijando e abraçando as pessoas, querendo saber o que tinham achado. Levei minha filha Lis, de cinco anos, para conhecê-la. Eu estava chateado pelo pouco público, umas cinco mil pessoas, pequeno para o ginásio. Ela nem falou disso. Pegou no colo, estalou um beijo na bochecha de Lis e me pediu desculpas pelo “baixo astral” da entrevista. “Faremos outras melhores”, prometeu.Daí chega à redação de Zero Hora uma carta para mim, com data de 21 de setembro, postada na agência dos Correios da Rua Haddock Lobo, em São Paulo. Começava assim: “Gostei muito de ter te reencontrado. Pode crer! Achei tua filha linda. E sugiro um acordo entre famílias: guarde-a para Pedro. Rapaz simpático, louro, gente fina e com bom dote. A mãe garante! E deverá ser bom de cama, suponho. Tem bom ‘instrumental’, é cheio de doçura e meiguice e gosta de um beijo na orelha...”.
(Em 1997 mostrei a carta a Pedro Mariano, que lançava seu primeiro disco. Ele achou graça, mas não mostrou interesse em saber como era Lis.)
Por coincidência, em 19 de janeiro de 1982 eu e minha filha estávamos em Garuva, cidadezinha do nordeste de Santa Catarina. Passávamos uns dias de férias na casa do padrinho dela, Jaime. Na manhã do dia 19 fomos fazer compras em Joinville, meia hora de distância. Caminhando, vislumbrei no outro lado da rua, numa banca de revistas, Elis Regina na capa da Manchete. Estranhei, pois a Manchete normalmente não daria capa a Elis, num momento em que não havia nada de sensacional acontecendo com ela. Mas de longe eu vira mal, não era ela: era Sílvia, a brasileira que se tornara rainha da Suécia. Sabe-se lá por que meus olhos a viram.De volta à casa, fui para o banho. Mal me ensaboava, Jaime bate na porta. “O Jornal Nacional está noticiando a morte da Elis Regina”, disse, sobressaltado. Só acreditei vendo na TV as filas diante do caixão no palco do teatro. Não liguei para Zero Hora, me senti bloqueado para escrever qualquer coisa. A morte de Elis me acentuou velhas questões íntimas sobre as propaladas objetividade e imparcialidade que o jornalista deve ter. Onde começa e onde termina cada uma? Em muitos casos, penso que o jornalista pode, ou deve, ser parcial e subjetivo. No caso de Elis, nem isso consegui ser. Não corri à redação para fazer o “caderno especial”.(...)
Na última entrevista, ela me disse que sonhava com umas férias viajando de trailer pelo Pampa. “Quero ver uns buracos por onde andei cantando algumas vezes na minha vida e dos quais tenho imagens guardadas da cabeça. Então queria conferir. Tomara que não tenham mexido muito nesses lugares, mas é provável que eles também tenham dançado.” Que lugares? “Ah, alguns, tipo assim Guaporé, Bento Gonçalves, uns muros de pedras empilhadas, umas águas que passavam no meio da relva, essas coisas. Eu gosto do Rio Grande do Sul, embora aqui também tenha muita coisa de que não gosto. Não gostaria de ter nascido em Porto Alegre, por exemplo; gostaria de ter nascido no interior.”
FOTOS-EDITORA GLOBO
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