sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Professores de São Paulo aprendem a lidar com alunos LGBT em curso a distância

Simone Harnik
Do UOL, em São Paulo
A discriminação nas escolas contra alunos e docentes da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) foi um dos motivos que levaram o coordenador pedagógico, Walmir Vitoreli Fracari, 37, homossexual, a realizar o curso a distância “A Conquista da Cidadania LGBT”. Cerca de 4.000 servidores públicos do Estado de São Paulo já concluíram esta formação, e uma nova turma começa no dia 28 de agosto.
No início de 2012, quando ministrava as aulas de português em uma escola da prefeitura de Guarulhos (SP), Fracari precisou lidar com uma situação especial: um aluno que sofria preconceito da família, dos colegas e até de funcionários da instituição de ensino. “Ele era facilmente confundido com uma menina, e os pais viviam falando para ele agir como menino, reforçando a estigmatização que já ocorria”, conta. “As pessoas não conseguem entender que a identidade pessoal e intransferível é muito mais forte do que qualquer outro sentimento ou sensação. A pessoa nessa situação sofre com a angústia conflitante do eu físico e psicológico. É um caso delicado de se enfrentar.”
"Eu trago aqui uma questão bastante interessante para a gente discutir. Tenho uma aluna do ensino médio que é travesti, Patrícia, 2ª série de ensino médio da EJA (Educação de Jovens e Adultos). Patrícia é literalmente uma mulher, só quem viu seu RG sabe que ela é Manuel. Patrícia estava sempre nas proximidades da escola, embora não fosse nossa aluna. Procuramos saber quem ela era e por que ia lá todos os dias. Ela nos contou que vinha encontrar uma amiga. Questionada sobre seu local de estudo, disse que não estudava, que tinha sido vítima de bullying e abandonou os estudos. Patrícia foi jogada de cabeça no latão de lavagem na escola. Convidamos Patrícia a voltar para a escola e ela entrou no programa de EJA. Depois de matriculada, ficamos muito preocupados, pois quando foi usar o banheiro, usou o feminino. Houve apenas uma reação. A de uma senhora evangélica que disse que não queria usar o mesmo banheiro que um homem. E até o momento ninguém mais reclamou ou se manifestou a respeito. Temos hoje vários alunos gays e lésbicas. Permitimos o uso do banheiro feminino por ela se achar uma mulher.Nós estamos agindo corretamente desta maneira?"
Fonte: Curso "A Conquista da Cidadania LGBT"
“Perguntar por que sou homossexual é tão inútil quanto perguntar por que nasci com olhos azuis e não castanhos, comentava o escritor francês Jean Genet, numa antiga entrevista. Com isso ele queria dizer que existe uma subjetividade insubstituível em ambos os casos: é tão pessoal ter os olhos azuis quanto ser homossexual. E, portanto, desnecessário buscar explicações. Ninguém pode acusar ninguém de ter nascido branco ou preto, loiro ou moreno, magro ou gordo. No caso da sexualidade, a confusão se instaura porque entram em discussão motivos que nada têm a ver com a lógica da subjetividade. No decorrer dos séculos, a prática sexual tendeu a ser atropelada por motivações invasivas, ou seja, há sempre interferências de ordem médica, religiosa ou política para explicar a sexualidade, cuja diversidade é tão grande quanto o número de seres humanos.”
Fonte: Curso "A Conquista da Cidadania LGBT"
“A homofobia é uma visão sexista contra homossexuais. É um preconceito levado ao extremo. Agredir um casal de homens que estão abraçados ou de mãos dadas na rua é homofobia porque você parte do princípio de que eles são homossexuais e os ataca, sem sequer se questionar. Pode errar feio, como aconteceu recentemente no interior de São Paulo, quando um grupo de rapazes agrediu dois homens abraçados, sem saber que eles eram pai e filho – chegaram ao extremo de cortar um pedaço da orelha do pai. Ou quando atacaram dois amigos na avenida Paulista, em São Paulo, só porque eles estavam próximos de locais frequentados por homossexuais – e os dois, na verdade, eram heterossexuais. Esses homofóbicos estão de tal modo possuídos pelo ódio que perdemo freio do raciocínio.”
Fonte: Curso "A Conquista da Cidadania LGBT"
“Se no Brasil é grande o preconceito contra lésbicas e gays, ainda mais violento e generalizado é o preconceito contra travestis e transexuais. Isso ocorre graças ao desconhecimento do seu histórico de marginalização forçada. A situação das travestis e transexuais requer que o Estado implemente políticas públicas para essa população. Elas vivenciam a marginalização, violência, desemprego e várias vulnerabilidades individuais e sociais. Só recentemente, e de maneira ainda tímida, tem-se pensado em integrar essas cidadãs brasileiras no mercado de trabalho, oferecendo-lhes cursos profissionalizantes. Não se trata de paternalizar e vitimizar as travestis e transexuais, mas de dar-lhes oportunidade de serem parte da sociedade democrática em que deveriam estar inseridas.”
Fonte: Curso "A Conquista da Cidadania LGBT"
“O único levantamento geral sobre violência homofóbica no país é realizado anualmente pela ONG Grupo Gay da Bahia - GGB, mediante pesquisa em matérias de imprensa e outros meios de divulgação. Os resultados sempre apontam para um aumento do número de homicídios, resultados estes que também são utilizados por organismos internacionais. No Brasil, segundo o relatório do GGB, um LGBT é assassinado por motivação homofóbica, a cada 2 dias. Nota-se ainda que casos de violência homofóbica cada vez ganham mais espaço na mídia, que joga luz sobre a violação dos direitos humanos da população LGBT.”
Fonte: Curso "A Conquista da Cidadania LGBT"
O curso, segundo os organizadores, pretende apresentar conceitos teóricos, legislação e políticas públicas para o público LGBT e discutir casos práticos do dia a dia dos servidores. A formação é feita a distância, em três módulos, de uma semana cada um. São eles: decifrando a diversidade sexual; direitos humanos da população LGBT; educação, cidadania e homofobia. Marcela Bauer, uma das realizadoras, explica que as atividades obedecem a um padrão: em cada parte do curso há um texto e trechos de vídeos, questionário, atividade interativa com o tutor para a discussão de situações-problema, fórum de debates e chat.
“Foi interessante perceber a mudança na fala dos colegas do primeiro para o terceiro fórum! As pessoas passaram a se policiar mais quanto à forma que escreviam e às palavras que usavam. Dá para ver que estão buscando esclarecimento sobre o que é homofobia e os direitos da comunidade LGBT,além de formas de abordar o tema em sala de aula”, afirma Fracari, que tomou contato com as aulas virtuais a partir de uma diretora que também participou do curso.

Mais histórias

  • Arquivo pessoal Cearense é a primeira travesti a apresentar uma tese de doutorado no Brasil; conheça sua trajetória

Participação

“Está havendo muita participação. Na última turma, em uma semana, 618 mensagens foram postadas no fórum. E essa é uma atividade opcional”, aponta Marcela.“Há perguntas disparadoras, provocativas, retorno, fomento de discussão – destacando a interação do aluno com os mediadores, do aluno com o ambiente e entre os alunos”, explica a diretora técnica de formação profissional da Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo) e coordenadora da formação, Berenice Kfouri.
Como resultado das aulas, o professor Fracari formou uma comunidade no Facebook para quem está fazendo o curso e tem pesquisado mais sobre como abordar a temática na escola. “Já andei conversando e estou estudando a possibilidade de fazer um mestrado na área”, diz.
Para Berenice, os resultados são positivos: “O Estado cumpre seu dever e contribui para uma sociedade mais justa e democrática, possibilitando o desenvolvimento de uma cultura de respeito e de paz; o servidor recebe condições para aprimorar seu trabalho; e a população ganha por ser tratada como deve, com direitos assegurados independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero”.
A iniciativa dessa formação partiu da Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, em parceria com a Secretaria da Gestão de São Paulo. O público-alvo é de servidores do Estado de quaisquer áreas e funcionários públicos de municípios que trabalhem com a temática da diversidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...