quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Sadomasoquismo: entenda a prática abordada pelo best seller '50 Tons de Cinza'

 Foto: Getty Images
A prática do sadomasoquismo depende de duas pessoas: um sádico, que sente prazer ao ver o outro sofrer, e um masoquista, que gosta de sentir dor
Foto: Getty Images

Danielle Barg
Ele era um engenheiro de 40 anos, casado e comum, com exceção de apenas um detalhe – gostava de se vestir com roupas femininas e ser dominado na cama. Com medo do que a mulher poderia pensar, entrou em contato com uma senhora que morava no Canadá, disposta a pagar para ter um escravo sexual, que a servisse, rastejasse pela casa, usasse coleira e topasse ser submisso.
Ao descobrir o esquema, a mulher, que até então não desconfiava deste traço do marido, ficou decepcionada. O casal procurou a sexóloga Carla Cecarello, de São Paulo, mas não deu continuidade às consultas. Não se sabe se o relacionamento voltou a funcionar, e, esmiuçando o conceito “sadomasoquismo”, ela explica porque os dois não conseguiam se entender na cama. “O sadomasoquismo representa o casal, composto por um sádico, que gosta de provocar sofrimento; e um masoquista, que desfruta do prazer de sentir a dor. Um masoquista não vive sem um sádico e vice-versa”, explica.
Este tipo de comportamento sexual vem à tona nesta quarta-feira (1) com a chegada ao Brasil do livro Cinquenta Tons de Cinza (editora Intrínseca), da autora inglesa Erika Leonard James. Definido por muitos veículos como um “pornô para as mulheres”, o título se tornou um enorme sucesso de vendas com um enredo que gira em torno do relacionamento da jovem e virgem Anastasia Steele, e Christian Grey, bilionário que propõe que ela seja sua escrava sexual. Ela aceita, e as páginas discorrem sobre o jogo de poder e submissão que resulta dessa parceria.
Com base em sua própria experiência profissional, Carla afirma que é uma parcela pequena da sociedade que se encanta com chicotes, tapas e velas – um número inversamente proporcional aos milhões de interessados no livro e neste tipo de história. Ao fenômeno de vendas, ela atribui o aspecto comportamental que está por trás da agressividade na cama.

A sexóloga explica que o sadomasoquismo existe em diferentes graus, e pode estar presente mesmo sem todo o estereótipo que cerca a prática. “Às vezes o casal não é sadomasoquista na cama, mas na atitude, como aquele homem que só pensa nele, não quer fazer uma preliminar, quer ser o dominante. Eu creio que este tipo de enredo encanta muito porque existe um grau de sadismo em muitas relações”, observa.
Para o psicólogo Oswaldo Rodrigues Junior, do Instituto Paulista de Sexualidade, as práticas sexuais na literatura sempre chamam a atenção. “Mais pessoas se associam a estas leituras, sentindo-se socialmente adequadas, e sem perversões. Livros assim facilitam a dispersão do conhecimento sobre estas práticas”, opina.
De onde vem e como se manifesta
Apesar de o tema estar mais em foco nos dias atuais, Carla afirma que as relações sadomasoquistas sempre existiram, partindo do princípio do “dominar” e do “ser dominado”. Até nas fantasias sexuais a relação de poder e submissão se faz presente – as mulheres vestidas de empregadas; os homens, vestidos com fardas, configuram uma relação de poder e submissão. “Acho que na verdade este comportamento não é muito aceitável pelas pessoas, mas eu diria que muito mais gente do que podemos imaginar faz isso na cama”, aponta Carla.
Mais do que chicotes, algemas e roupas de couro, o sadomasoquismo reflete essa necessidade de se impor em uma relação ou o contrário, a valorização em sofrer para agradar o outro. A especialista explica que o comportamento sádico ou o masoquista não depende de fatores genéticos, mas é resultado de uma influência muito grande do ambiente familiar e social que essa a pessoa vive nos primeiros anos de vida. Pais agressivos, que praticam violência entre si ou contra a criança, chantagistas ou vingativos podem reforçar este traço. “Este ambiente familiar provoca na criança sentimentos de negativismo e desilusão. Tudo é muito facilitado até os seis anos de idade, que é quando definimos nossa sexualidade”, explica. Fatores como influência de amigos, bullying e desilusões amorosas também acabam contribuindo para o aumento da agressividade.

Na vida fora da cama, os adeptos ao sadomasoquismo também demonstram traços que se traduzem em forma de agressividade na hora do sexo. “O sádico geralmente é uma pessoa mais egoísta, que busca somente os próprios interesses, não consegue trabalhar em conjunto nem dividir. Por outro lado, o masoquista não se impõe, todo mundo passa por cima, não tem voz ativa”, analisa.
Oswaldo explica que não existe violência dentro de uma relação deste tipo, mas a busca de diferentes formas de prazer associadas à dor e humilhação, desde a dominação e submissão, até as ações com dores ou punições físicas. Ele acrescenta que, nas últimas décadas, os praticantes tem preferido usar a sigla BDSM (Bondagismo, Dominação, Sadismo e Masoquismo), justamente para fugir do estereótipo da situação onde um bate e o outro apanha.
O especialista ressalta também que o sadomasoquismo não se enquadra em uma psicopatologia. “Não necessariamente existe a agressividade fora da cama, pois ambos se adequam socialmente, reservando para a privacidade os jogos que lhes dão prazer”, afirma.
Carinho na vida, tapinha na cama
Andar com salto agulha em cima do corpo do parceiro, provocar queimaduras, amarrar, vendar os olhos, e até mesmo argolas para amarrar os mamilos, o pênis ou o clitóris e puxar. Essas são algumas das práticas que os casais sadomasoquistas gostam de fazer na cama. Entre os objetos preferidos estão roupas de couro bem coladas, pois definem o corpo, tachas pontiagudas, algemas, bandagens, vela, chinelos, cordas, cadeados, fitas adesivas, chicotes, roupas de couro e de metal. Carla conta que existe até quem é adepto da asfixia sexual, ou seja, quando o parceiro chega ao orgasmo, o outro o sufoca com um saco para sentir prazer com o sofrimento alheio.
Com tanta “violência” na cama, fica difícil acreditar que este casal consiga afastar a agressividade do convívio diário. No entanto, Carla explica que eles só entrarão em conflito quando não há concordância entre as práticas. “Se um dos dois não está gostando muito do que está vivenciando na cama, eles vão acabar brigando em algum momento. Mas se ambos gostam da agressividade, dificilmente ela vai para a vida fora do sexo, pois se é gostoso e bom, está tudo certo”, explica.
A busca de limites também é feita em dupla e, conforme explica Oswaldo, cada casal cria suas próprias regras. O único entrave é quando um não dos dois não é adepto das preferências. “Se uma prática não é a preferida, não será usada no relacionamento, pois seria uma violência contra o outro, e isto está fora das possibilidades eróticas”, pontua.
Quando o sádico encontra o masoquista, as chances de o relacionamento sexual dar certo são grandes. “Se o casal está bem com isso, não existem problemas. Pode parecer estranho para quem está de fora, mas cada um sabe o seu próprio limite. É um relacionamento como qualquer outro, só que não tem nem frutinhas, nem rosinhas, só algemas e chicotes", finaliza a sexóloga.
O LIVRO
Classificado pelo New York Times como “pornô para mamães”, Cinquenta Tons de Cinza narra as aventuras sadomasoquistas de Christian Grey e Anastasia Steel, uma estudante e um executivo que firmam um acordo pouco comum: ele pede à garota que assine uma espécie de contrato, no qual ela concorda em desempenhar um papel de “submissa” numa série de “atividades eróticas”. O livro já vendeu mais de 20 milhões de exemplares desde março somente nos Estados Unidos e se transformou no maior fenômeno editorial de todos os tempos ao atingir o recorde de 100 mil livros comercializados em apenas uma semana. A estreia literária de EL James representa 75% das vendas de ficção adulta no mercado americano, tem 31 milhões de exemplares vendidos apenas em língua inglesa e direitos para a publicação comprados por 41 países. A trilogia - sim, como todo bom escritor de best-seller, EL James não ficou em um livro só -, completada por Cinquenta Tons Mais Escuros e Cinquenta Tons de Liberdade, que têm previsão de lançamento para setembro e novembro no Brasil, respectivamente, também vai virar filme. Os livros serão adaptados para o cinema pela Focus Features, da Universal Pictures - os direitos foram comprados pelo valor recorde de US$ 5 millões. E, desde que a informação, veio a público, não param de pipocar boatos na imprensa internacional sobre quem vai interpretar o casal de protagonistas. Emma Watson e Kristen Stewart são nomes cotados para viver Anastasia, o que seria até meio óbvio, já que ambas são estrelas outros filmes arrasa-quarteirão. A primeira é Hermione em Harry Potter e a segunda é Bella Swan na saga Crepúsculo. Isso mesmo, aqueles citados no começo do texto.Mas o que todos se perguntam é por que, em tempos de igualdade de gêneros, um livro que coloca a mulher em uma posição tão submissa se tornou esse estrondoso sucesso justamente entre elas, as mulheres. Há algumas teorias e a mais forte delas é de que, mesmo sendo independente financeiramente, mesmo trabalhando fora e se desdobrando entre a família e o trabalho, as mulheres ainda têm a fantasia da submissão, de serem “possuídas” por seu homem, de fazerem “sexo selvagem” com um macho alfa livres de qualquer preconceito. Porque é justamente isso o que o livro oferece. Mas só a partir da página 103, pois o início funciona como uma longa e estimulante preliminar - e aí pode estar uma outra explicação para o sucesso entre o público feminino.
Até o início das aventuras sadomasoquistas de Christian e Anastasia, a narrativa é um misto de descrições detalhadíssimas dos atributos físicos dele - dela, pouco se sabe, apenas que não se encaixa no típico padrão de beleza a que estamos acostumados - e de situações que poderiam muito bem estar em livros da série Sabrina. O momento em que eles se conhecem, logo no primeiro capítulo do livro, tem todos os clichês possíveis desse tipo de história: Anastasia se atrapalha, tropeça e cai no chão. Ele ajuda a moça a levantar e então ela percebe o quanto ele é lindo, jovem, atraente. Depois segue-se uma conversa - Anastasia entrevista o executivo para o jornal da faculdade - em que ela enrubesce e se arrepende do que diz o tempo inteiro. É um clichê atrás do outro, mas quem se importa se há longas e quentes cenas de sexo (algumas chegam a durar páginas e páginas) pela frente?
O mais curioso de tudo é que Cinquenta Tons de Cinza surgiu como uma fan fiction de Crepúsculo (aí está ele de novo). Chateada com a falta de sexo entre o vampiro Edward e Bella Swan, a então produtora de TV Erika Mitchell, casada e mãe de dois filhos, resolveu escrever histórias picantes tendo o casal como protagonista. Publicadas na internet, as histórias fizeram tanto sucesso que uma editora acabou sugerindo que ela mudasse os nomes dos personagens e as transformasse em um romance independente. Não deu outra: o livro virou best-seller quase que instantaneamente. Resta saber se a libertinagem de Cinquenta Tons de Cinza vai agradar também ao público brasileiro. A editora Intrínseca, responsável pela publicação por aqui, espera que sim: a tiragem inicial é de 200 mil exemplares.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...