terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Versão para o cinema de musical da Broadway,'Os miseráveis' aposta as fichas na entrega do elenco

Hugh Jackman, Russell Crowe e Anne Hathaway cantam 'ao vivo' em cena. Musical inspirado na obra de Victor Hugo opta por sentimentalismo. Cauê Muraro Do G1, em São Paulo Mesmo a parcela da audiência que rejeita musicais no cinema terá condições de reconhecer o que há de positivo em “Os miseráveis”: é visível a entrega do elenco liderado por Hugh Jackman, Russell Crowe e Anne Hathaway. Todos cantam ao vivo em cena, as vozes foram registradas durante as gravações, e não posteriormente em estúdio. A própria divulgação desse dado tem o propósito claro de propagandear essa suposta coragem de uma equipe que abre mão do recurso habitual em produções do tipo.

O fato de os atores não se revelarem propriamente prodígios vocais – e de ainda assim não passarem tanta vergonha, no mais das vezes – depõe a favor de "Os miseráveis". O que depõe contra é certo tratamento dado à história: o filme recorre ao sentimentalismo até o ponto da exaustão, abusa de closes dramáticos em personagens arruinados física e moralmente. Persegue-se a emoção do público, abandona-se qualquer noção de sobriedade e sutileza. É evidente o potencial que “Os miseráveis” tem para emocionar – ou ao menos emocionar quem não se incomodar em assistir a um filme inteiramente cantado, com não mais que meia dúzia de diálogos falados.

O que temos aqui é a versão cinematográfica do musical homônimo, e este era inspirado no livro do francês Victor Hugo (1802-1885) publicado em 1862. O básico do material original está mantido. Na França do século 19, Jean Valjean (Hugh Jackman) é mantido preso por cerca de 20 anos depois de roubar um pedaço de pão – política e sociedade, conflitos de classe e justiça eram temas essenciais a Victor Hugo. Uma vez liberto, o protagonista passa fome, furta um religioso, tem um momento de iluminação, resolve dar um jeito na vida, rasga a identidade e então se transforma em empresário e se elege prefeito.
O inconveniente é que, por ter violado a condicional, acaba perseguido por um policial rigoroso e incansável, Javert (Russell Crowe). Mas essa tragédia, embora central, é pequena se comparada à de Fantine (Anne Hathaway): a mulher é mãe solteira e trabalha na fábrica de Valjean, para mandar dinheiro ao casal explorador que cuida da filha dela, chamada Cosette. Certo dia, descobre-se a maternidade de Fantine, ela é demitida, fica sem opção de sustento, vende os cabelos e alguns dentes e vira prostituta. Muito doente, pede ao ex-patrão que olhe por Cosette. Hugh Jackman vive o personagem Jean Valjean em 'Os miseráveis' (Foto: Divulgação) Tudo isso é mostrado logo no princípio da projeção. Na intenção de evitar que o espectador sucumba um possível estranhamento do gênero musical, o diretor Tom Hooper (ganhador do Oscar por “O discurso do rei”) encadeia uma sucessão intensa de eventos. O ponto de maior drama do ato inicial é entregue a Anne Hathway, que tem menos tempo de tela do que poderiam sugerir seus alegados sacrifícios físicos. Esquálida e de cabelos curtos, ela canta uma versão sofrida da mesma “I dreamed a dream” que em 2009 revelou a improvável Susan Boyle num show de calouros britânico. A interpretação de Anne é obviamente superior. A voz de Susan é mais firme. No total, “Os miseráveis” dura mais de duas horas e meia.

Se o que Hooper faz ao longo desse período resulta maçante, é porque alguns segmentos da narrativa são superficiais e mal resolvidos, como o romance entre a Cosette adulta (vivida por uma Amanda Seyfried medíocre) e um jovem revolucionário (papel de Eddie Redmayne). O nível de atuação da dupla é tal, que nem os próprios personagens parecem acreditar no que sentem um pelo outro, no que não ajudam as letras simplórias do musical. Anne Hathaway em cena de 'Os miseráveis' (Foto: Reprodução) Por outro lado, o longa tem passagens como as estreladas pelo casal inescrupuloso que abriga Cosette quando pequena.

Nestas sequências, Sacha Baron Cohen (“Borat”) e Helena Bonham Carter (“Alice no país das maravilhas”) oferecem o que de mais cômico há no filme. Protagonizam cenas – algumas flertam com a escatologia – que contribuem para dissipar um inevitável esgotamento. “Os miseráveis” ganhou os Globos de Ouro de melhor filme de comédia ou musical, melhor ator de comédia ou musical, para Hugh Jackman, e melhor atriz coadjuvante de comédia ou musical para Anne Hathaway. Russell Crowe não constrange, mas é mesmo o pior do trio e um prêmio seria descabido. No Oscar, a superprodução disputa oito categorias, incluindo melhor filme, ator (Jackman), atriz coadjuvante (Hathaway), figurino, design de produção e maquiagem e cabelo. Faz sentido: nos quesitos técnicos elementares não se registram descuidos em “Os miseráveis” – só, talvez, algum mau gosto.


 

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