sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Famosa e injustiçada no "The Voice", Deena Love revive a era do rádio e quer drags na TV

A infância do pequeno Pedro Novas foi diante da TV. Nos anos 1980, em um movimento que hoje poderia até parecer transgressor para alguns telespectadores, transformistas apareciam na tela com naturalidade. Na época, o programa "Show de Calouros", de Silvio Santos, tinha um quadro que exibia shows de talentos de drag queens. Ao assistir à apresentação de Erick Barretos, uma das drags mais famosas da época, com sua imitação de Carmem Miranda, Pedro absorveu, sem saber, a cultura e a arte desses homens que se vestem de mulheres. Em 2011, sua própria drag, Deena Love, nasceu com um objetivo: brilhar no palco e invadir, novamente, as casas das famílias brasileiras por meio da TV, no reality show "The Voice Brasil". Gostaria que a arte transformista fosse tão natural às famílias como era há 30 anos. Se antes nós tínhamos figuras transgêneras e andróginas na mídia em pleno domingo, hoje em dia essa qualidade de artista ficou restrita ao universo LGBT. Não vejo o porquê disso Deena Love "Gostaria que a arte transformista fosse tão natural às famílias como era há 30 anos. Se antes nós tínhamos figuras transgêneras e andróginas na mídia em pleno domingo, hoje em dia essa qualidade de artista ficou restrita ao universo LGBT.

Não vejo o porquê disso", observa, em entrevista ao UOL, no Teatro Itália, em São Paulo, onde apresentará seu show "Nas Ondas do Rádio" no domingo (7), para um público que, no local, costuma ser majoritariamente da terceira idade. No dia 27 de dezembro, ela faz show no Rival, no Rio de Janeiro. Deena Love não frequenta o universo das drag queens e não é, esteticamente, tão feminina como as transformistas do Silvio Santos. O ombro largo e o 1,82 m de altura -–bionicamente acrescido do salto alto-- não colaboram para traços suaves, mas a voz singular remete a uma antiga cantora dos anos 40, imagem a que Deena tem completa devoção. Com desenvoltura, no show ela vai do jazz americano de Billie Holliday, Ella Fitzgerald, Diane Shaw –que inspirou seu nome– aos sucessos da francesa Edith Piaf e da fadista portuguesa Amália Rodrigues, além de releituras das brasileiras Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Maysa, Elis Regina (cujo rosto Dina tem tatuado no braço) e, claro, Carmem Miranda. Ela diz que o que a atrai nesse repertório é a capacidade que que as cantoras tinham de produzir canções clássicas com recursos precários. "Antigamente, era um microfone em uma sala para todos cantarem e tocarem ao mesmo tempo.

Hoje em dia, temos uma técnica digital incrível, que democratizou a gravação. Eu gostaria de unir aquele valor de arte, de melodia e poesia, com o valor da gravação moderna. Isso seria uma obra-prima", explica. A preferência pelo universo das divas de outrora chegou a ser apontada pelos telespectadores como um obstáculo para Deena no "The Voice", onde conquistou uma grande torcida –assim como as drags nos anos 80. Em sua estreia no reality, fez os jurados chorarem. Na terceira apresentação, ao cantar "Dois para Lá, Dois para Cá", sucesso de Aldir Blanc na voz de Elis, acabou sendo preterida pelo técnico Lulu Santos. "Ele fez uma escolha acertada para o programa pop que o 'The Voice' é. E eu fiz uma escolha acertada na minha carreira. Eu não poderia escolher alguma coisa que não fosse de alguma diva do passado. Mas só de ter conseguido entrar no programa, com meu estilo e meu repertório, já é uma vitória", comemora. Ela conta que, enquanto estava na TV, recebeu ligações do Brasil inteiro para shows que nem sempre abrangiam seu mundo. "Eu não queria mais fazer qualquer coisa para ganhar dinheiro."

Criado em uma casa extremamente musical, Pedro conheceu Carmem Miranda por meio da avó e da mãe. O gingado daquela mulher com uma cesta de frutas na cabeça era por demais forte para o menino de apenas dois anos. "Brinco que a Deena Love nasceu em 1985 também", conta. Já com o pai, roqueiro, desenvolveu a veia musical. Cantou em barzinhos e aceitou se apresentar em cruzeiros. A primeira aparição de Deena veio no trabalho em alto-mar. "Em uma dessas viagens, a gente se vestiu de drag, mas era apenas uma brincadeira do pessoal de animação do navio. Eu me vesti de Amy [Winehouse] e cantei as músicas. Foi um sucesso. Na hora em que me vesti, pensei: 'chegou o momento'." Em 2011, já em terra firme, encarnou Deena, aliando o talento vocal com a cabeça já fomentada de referências de mais de 20 anos. "Os filmes da minha adolescência também tinham essa temática transgênera, como 'Para Wong Foo', 'Gaiola das Loucas' e 'Priscila, a Rainha do Deserto'. Foi uma atmosfera gay, essa coisa meio cabaré, pela qual me atraí." A arte em si é uma bandeira livre de rancor, ódio. É a maior das bandeiras, ela entra em todos os setores da sociedade com suavidade. Eu me propus a entrar na emissora com o personagem todo montado.

A partir desse momento, eu já sou uma bandeira, mesmo se eu não quisesse Deena Love Deena aprendeu então a andar de salto, embora hoje ela clame, com bom humor: "Por que não inventam drags de rasteirinha?", comenta, enquanto pede um ombro amigo para andar no piso em desnível. Os pais, avós e amigos viraram fãs. Ela brinca: Pedro, mais tímido, é quem fica no armário agora. O respeito que ela diz receber nas ruas (e nos lares) encontra um caminho mais fácil: a arte. É, ao seu ver, sua própria bandeira diante do preconceito. "A arte em si é uma bandeira livre de rancor, ódio. É a maior das bandeiras, ela entra em todos os setores da sociedade com suavidade. Eu me propus a entrar na emissora com o personagem todo montado. A partir desse momento, eu já sou uma bandeira, mesmo se eu não quisesse", explica.
 

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