Cabelo esvoaçante, batom rosa e pernas de fora. Quem vê Gloria Groove sequer imagina que ela integrou a nova formação do Balão Mágico em 2001 e foi calouro no programa Raul Gil com o nome de Daniel Garcia. "Guardo a mesma cara daquela época. Só estou maior, mais comprido e agora sou uma mulher linda", se diverte a cantora de 21 anos.
Ela encabeça uma onda colorida e cintilante no pop brasileiro. São drag queens e transexuais que deram os primeiros passos para fora das pistas LGBT com um som autoral, proposta dançante e discurso politizado.
Desde que soltou o clipe de seu primeiro single, "Dona", com irresistível batida de hip-hop, Gloria viu a agenda de shows triplicar e seu som chegar aos ouvidos de quem gosta de Anitta. "Quando descobrem que é um cara vestido de mulher, eles ficam sem graça", observa.
O embaraço é maior quando alguém avisa que ela também dublou Justin Bieber no último documentário do cantor, "Believe" (2011), e foi ator mirim na novela da Record "Bicho do Mato" (2006). Mas é apenas agora que Daniel se sente um artista.
"A Gloria é tudo o que eu pensei em ser quando criança e achava que nunca seria possível. É tudo que eu idealizei. Acontece repressão quando criança, quando se é afeminado. Existe um movimento de se negar a aceitar isso. Agora é uma coisa me move."
Figura essencial na cultura gay, as drag queens estiveram por muito tempo restritas às performances de dublagem (o famoso lip sync) e à arte de gongar (gíria gay para quando se zomba alguém). Um leque colorido de talentos, no entanto, se abriu com o programa "Ru Paul's Drag Race" (exibido no Brasil pelo canal Multishow).
Capitaneado por Ru Paul, a drag mais famosa dos Estados Unidos, a disputa popularizou artistas de diferentes personalidades que se apresentam no Brasil com frequência. Principalmente as que sabem cantar.
Reprodução/Instagram/gloriagroove
Fernanda Lima (centro) posa com as drag queens Gloria Groove (de macacão colorido), Aretuza Lovi (com dreadlocks), Sarah Mitch (com colares prata) e Pablo Vittar (de rosa)
De olho nessa versatilidade, o programa "Amor & Sexo", comandado por Fernanda Lima na TV Globo, agora conta com participações esporádicas não apenas de Gloria, como a brasiliense Aretuza Lovi, a cuiabana Sarah Mitch e a maranhense Pabllo Vittar. Todas com clipes e músicas no YouTube.
Com nome unissex, mas o appeal completamente feminino, Pabllo deu outra cara para "Lean On", lançado por Major Lazor. De voz aguda e aveludada, ela jogou um tempero abrasileirado e relançou o maior hit de 2015 com o nome de "Open Bar". Ganhou elogios do produtor Diplo: "Clássico!", resumiu o americano.
Aos 21 anos, ela prepara o primeiro álbum, com produção de DJ Gorky, do Bonde do Rolê e produtor da Banda Uó (cuja a carismática vocalista Mel é transsexual). "Vai ser um trabalho mais autoral, em cima das harmonias. Estou até compondo", conta, enquanto vê o clipe da canção ultrapassar 1 milhão de visualizações. "Acho que a diversidade cultural está com força total, e deve trazer -- porque não? -- esse trabalho para o meio da sociedade", acredita.
Entre o funk e a militância
A TV pode facilitar, mas essas novas divas têm abusado do YouTube e das plataformas de streaming para se lançar. Um fenômeno parecido com o funk, que também não gozava do mesmo espaço na convencional indústria musical. Não à toa, muitas delas têm se voltado para o ritmo.
Aos 24 anos, Lia Clark escolheu a cidade onde nasceu, Santos, no litoral paulista, para rebolar como uma legítima funkeira no clipe de "Trava Trava". A música tocou bem no carnaval e é hit nas baladas gay friendly. "Onde mais eu passaria esse clipe se não fosse no YouTube?", questiona.
"Quando eu cantei no [programa] 'Esquenta', tive a impressão que seria o único lugar que eu poderia me apresentar, sabe? Para mim, a igualdade só virá quando eu ver travesti no Luciano Huck e no Faustão"
MC Xuxu também reconheceu o funk carioca como o veículo mais eficiente para passar sua mensagem, justamente no momento mais pesado de sua vida. "Depois que eu assumi minha orientação sexual, tive que sair de casa e conheci a prostituição no Rio de Janeiro", ela conta.
O dinheiro que ganhava no Rio era mirrado, e já chegava separado entre as despesas com a mãe e as gravações caseiras que fazia.
Com um desses vídeos, "Pantera Cor-de-rosa", concorreu ao extinto VMB em 2009 na categoria webclipe. É dessa época também que ela escreveu "Desabafo", com críticas aos homofóbicos. "Aprendi que a gente precisa cantar por algum motivo. Escolhi a militância", salienta.
Aos 27 anos, ela celebra a onda queer no pop, mas reclama que a igualdade vai demorar para dar as caras. "Quando eu cantei no [programa] 'Esquenta', tive a impressão que seria o único lugar que eu poderia me apresentar, sabe? Para mim, a igualdade só virá quando eu ver travesti no Luciano Huck e no Faustão."
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