quarta-feira, 30 de março de 2016

STYCER-“Velho Chico” busca resgatar no espectador o prazer de ver novela

Como ocorre com frequência diante de trabalhos de Luiz Fernando Carvalho, “Velho Chico” recoloca em cena aquela turma que se considera especialista em relação ao que o espectador quer ver na televisão. É gente que, com certo prazer, anuncia que a obra do diretor não se presta ao grande público ou que a novela é “difícil”, “chata” e “lenta”. Os números no Ibope reforçam o ponto de vista desta turma. “Velho Chico” começou muito bem, mas perdeu força com o passar dos dias e está com números parecidos aos das novelas das 19h30 (“Totalmente Demais”) e das 18h30 (“Eta Mundo Bom”). Com base nestes números, e a estreia próxima da segunda temporada de “Os Dez Mandamentos”, já há quem se arrisque a prever o desastre de “Velho Chico”. Este não é um terreno em que me sinto à vontade para palpitar. Prefiro falar do que estou vendo na tela. Exibidas as primeiras duas semanas de “Velho Chico”, não hesito em dizer que há muito tempo uma novela não me interessava tanto.

A primeira coisa que chama a atenção em “Velho Chico” é o padrão de interpretação do elenco. Sejam novatos ou veteranos, crianças ou adultos, profissionais bons ou medianos, todos estão excepcionalmente expressivos na novela. De Tarcisio Meira (Jacinto) a Barbara Reis (Doninha, à esq.), de Chico Diaz (Belmiro, abaixo) a Julio Machado (Clemente), de Umberto Magnani (Romão) a Fabiula Nascimento (Eulália), não há um único ator que chame a atenção por um desempenho fora de tom ou desajustado. O que isso significa? Houve um longo trabalho de “laboratório” antes do início das gravações, realizado por Luiz Fernando Carvalho. Assim como havia feito em “Meu Pedacinho de Chão”, o diretor levou o elenco a se entregar, a abandonar os tiques e cacoetes, e mergulhar numa aventura que, comum no cinema ou no teatro, costuma ser difícil de implementar no ritmo industrial da televisão. Talvez não seja correto dizer que estes primeiros 20 capítulos configurem exatamente uma novela. Tanto a primeira fase, no final dos anos 60, já concluída, e a atual, em meados da década de 70, servem para estabelecer as bases da história que será contada a partir de abril. O método artesanal de Carvalho se reflete não apenas no desempenho excepcional do elenco, mas em toda encenação, primorosa, da história contada até agora.

Compare, por exemplo, as cenas de nudez de Paolla Oliveira em “Felizes Para Sempre?” ou de Rodrigo Lombardi em “Verdades Secretas” com as de Carol Castro em “Velho Chico”. Ajuda a entender a diferença entre apelação gratuita e sensualidade. É evidente que o espectador acostumado a assistir novela como rádio, ouvindo o som e fazendo outras coisas ao mesmo tempo, está achando “Velho Chico” chata. O diretor não facilita a vida deste público preguiçoso ou cansado. A experiência de assistir à trama só é completa se você estiver disposto a acompanhar as muitas cenas quase sem diálogos, os closes em detalhes que não acrescentam nada objetivo, as músicas que preenchem o vazio, a narrativa não convencional… Reclamações sobre imagens do suor dos personagens mostram que a tarefa de Carvalho não é nada fácil.

Não sei como a história avançará nos dias de hoje, mas a temática destas duas fases iniciais não tem nada de “velha” ou “batida”, como alguns apontaram. Ou o leitor acha que o Brasil superou o coronelismo da década de 70? Os tempos atuais, ao contrário, sugerem que a pressão sobre pequenos produtores, o voto de cabresto e a ignorância seguem parecidos no Brasil – tanto o rural quanto o urbano. A história de Benedito Ruy Barbosa, escrita pela filha Edmara Barbosa e pelo neto Bruno Luperi, tem se equilibrado muito bem entre o melodrama (os conflitos familiares) e o realismo (este pano de fundo agrário). O duelo entre Encarnação (Selma Egrei) e Afrânio (Rodrigo Santoro) é, até o momento, o ponto central de “Velho Chico”. Carvalho dá tratamento épico às cenas que envolvem os dois, como a dizer que eles estão em outro patamar, em outro mundo, talvez. De um lado, a mãe que representa o universo arcaico e, de certa forma, medieval, cercada de empregados que lhe respeitam por medo. De outro, o jovem advogado, filho mais novo do coronel, que teve a ilusão de achar que poderia fugir ao seu destino, mas é abraçado e engolido por ele. Pelo que leio, o drama avançará em outra direção a partir do momento em que a filha de Afrânio se envolver com o filho do seu maior inimigo. Romeu e Julieta no sertão – o que não é uma novidade. Mas não vejo isso como problema. O que há de importante em “Velho Chico” é a vontade de resgatar no espectador o prazer de ver boa televisão.

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