segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Rubens Ewald comenta-Lançamento americano em DVD: The Collector´s Choice: The Films of Rita Hayworth

Lançamento americano em DVD: The Collector´s Choice: The Films of Rita Hayworth. Columbia Sony.
Embora a Sony brasileira esteja prometendo para este ano o lançamento deste box no Brasil, achei melhor me precaver e importar este importante lançamento (mesmo numa época de crise na indústria do DVD, o que se reflete no fato de que ele traga um mínimo de extras, apenas algumas apresentações  feitas pela atriz Patricia Clarkson, Baz Luhrmann e Martin Scorsese e não um featurette documental que eles deveriam ter produzido ou reaproveitado). Primeiro, quem foi Rita?
Rita Hayworth

Foto: Divulgação

Houve outras estrelas igualmente belas. Mas nenhuma delas teve seu status. Bem antes de Grace Kelly, casou-se com um príncipe. Foi chamada de deusa e sua efígie estava na primeira bomba atômica que estourou. Além disso, era não apenas a maior estrela de um estúdio, a Columbia, mas também a única. Poucas também tiveram um final tão trágico. Antes que a doença fosse diagnosticada e tivesse um nome, ela começou a sofrer de esquecimentos, que era atribuído a bebida. Na verdade, era o progressivo mal de Alzheimer que a deixaria imprestável, acabando a vida num asilo uivando, encolhida como um feto (no box vem cartaz da filha dela, a princesa Yasmin, filha de Ali Kahn, pedindo colaboração para uma organização que luta para encontrar uma cura para esta terrível doença).
Mas em seu tempo nunca houve mulher tão bela e desejada quanto Rita Hayworth (1908- 1987). Rita e seu alter ego, Gilda (o filme mais famoso de sua carreira que ela fez em 1945). Gilda se tornou um ícone inesquecível de uma era e uma tragédia para a estrela. Ironicamente ela sempre afirmou, que todos os homens de sua vida se apaixonaram por Gilda e se decepcionavam quando descobriam que acordavam com ela.  Mas  seus filmes são antes de tudo uma homenagem à beleza deslumbrante de Rita. Linda, sensual, adorável. Nunca houve, nem haverá, mulher como Rita.
Os filmes do box.
Na verdade,  tivemos a sorte de quase todos estes filmes terem sido lançados antes aqui (estas cópias foram restauradas e trazem o selo da The Film Foundation).
Eis os filmes:
O Coração de uma Cidade (Tonight and Every Night, 1945) de Victor Saville. Feito em plena Segunda Guerra em louvor a um teatro revista de Londres que nunca fechou, nem mesmo sob intenso bombardeio. A mesma história foi contada recentemente por Stephen Frears no mais realista A Sra. Henderson Apresenta - Judi Dench, que ao contrário daqui não esconde que nos shows havia nudez, o que explicava ainda mais seu êxito. O filme é bem banal, com elenco de segunda (Janet Blair, Lee Bowman, ponta de Shelley Winters). Indicado a Oscars de canção (Anywhere de Jules Styne) e trilha musical. Rita estava grávida durante a filmagem e por isso seus números foram rodados antes, fazendo o possível para esconder. Mas não é um papel onde brilhe especialmente. Não esqueça que foi antes de Gilda.
A Mulher de Satã (Miss Sadie Thompson, 53) - Quando Rita voltou do casamento com o príncipe, já não era mais a mesma. Perdeu a juventude, a alegria e grande parte da beleza. Isso já fica claro neste filme onde faz uma prostituta decadente, Miss Sadie (personagem de Chuva, de Somerset Maugham), que vive expulsa de ilha em ilha no Pacífico. Até quando encontra um pregador hipócrita com quem tem uma relação dúbia (José Ferrer). Tem ainda Aldo Ray, Charles Bronson, alguns números musicais e foi rodado em locação em terceira dimensão. Mas já era o começo do fim. Direção de Curtis Bernhardt.
Salomé (Salome, 53) - É incrível a diferença deste filme para o posterior Mulher de Satã, em termos de envelhecimento. Feito pelo talentoso William Dieterle, não dá para ser levado a sério como drama histórico, mudando completamente a história bíblica e santificando Salomé que agora é cristã ou quase, se apaixonando por um centurião romano cristão (Stewart Granger). Mas é uma fita classe A a la Cecil B. DeMille, com uma discreta dança dos sete véus, mas um Charles Laughton se divertindo muito no papel de Herodes ao lado de Dame Judith Andeson (lendária governanta de Rebecca, a mulher inesquecível) com mãe da heroína.

Foto: Divulgação


Foto: Divulgação

Modelos (Cover Girl, 44) - Estranhamente este é o filme que transformou Gene Kelly em astro. Contratado há pouco pela MGM ele teve a chance de ser emprestado para a Columbia, que lhe deu a liberdade de ajudar na criação deste clássico musical. Rita, Gene e o comediante Phil Silvers fazem três amigos em busca do sucesso no palco, mas há também mostra uma história paralela de um amor do passado, canções dos mestres Jerome Kern e George Gershwin, humor com Eve Arden e Rita despontando como bailarina e estrela. Dirigido por Charles Vidor, que depois fez Gilda. Ganhou Oscar de trilha musical, mas também foi indicado como direção de arte, fotografia, som e canção (a hoje famosa Long Ago And Faraway). Mas os pontos altos são a dança do trio do começo e principalmente um solo que Gene Kelly dança com seu alter ego.
Gilda (Idem, 1948) de Charles Vidor. Com Rita Hayworth, Glenn Ford e George MacRead. Em Buenos Aires, logo depois da Segunda Guerra, um jogador é salvo por um dono de um cassino que é casado com uma mulher que ele conheceu e ainda mantém uma relação de amor e ódio. Se você reparar bem, ela não tira mais do que as luvas, no entanto, este filme tem o strip-tease mais famoso do cinema e durante anos, Gilda foi, no Brasil, o símbolo  do filme proibido até 18 anos , o máximo em ousadia e sensualidade que Hollywood poderia oferecer. Foi também o momento máximo da carreira de Rita Hayworth, que passou a ser chamada de deusa e ganhou status de mito.

Foto: Divulgação

Filha de uma dançarino espanhol que a molestava quando criança, Rita era uma veterana de mais de trinta filmes quando teve a chance de estrelar este drama romântico. Custou tanto a fazer sucesso porque tinha um problema: a testa curta. O estúdio resolveu a questão fazendo eletrólise, arrancando os cabelos e pintando-os de castanho avermelhado. Rita nunca foi grande atriz, mas como era bailarina sabia se movimentar com uma graça inigualável. Embora tenha feito muitos musicais, Rita sempre foi dublada por outros - aqui por Anita Ellis - com uma única exceção, é sua própria voz em Gilda, quando canta sozinha com um violão o tema famoso Amado Mio.
De qualquer forma,  Gilda se tornou um ícone inesquecível de uma era e uma tragédia para a estrela. Ironicamente ela sempre afirmou, que todos os homens de sua vida se apaixonaram por Gilda e se decepcionavam quando descobriam que acordavam com ela. A fita foi feita de forma parecida com Casablanca, com o roteiro sendo escrito dia a dia. Dizem que os tapas entre Rita e Ford (que eram amantes ocasionais na vida real) foram para valer e ela chegou a lhe quebrar dois dentes! A dupla faria depois mais três filmes juntos.
“Nunca houve uma mulher como Gilda!”. Esse foi um slogan que marcou uma geração neste que é provavelmente o mais perfeito veículo já produzido para uma estrela. Nunca uma delas esteve tão bem tratada quanto Rita Hayworth (confirmando sua posição de maior estrela dos estúdios da Columbia, as más línguas diziam também ser a “única”!). Cada andar, cada levantada de cabelo é um trabalho de mestre do iluminador Rudolph Maté (o mesmo que fez o clássico A Paixão de Joanna D´Arc, de Dreyer).

Foto: Divulgação

Rita nunca foi uma grande atriz (era boa dançarina, tinha enorme charme e com o passar do tempo, na maturidade, acabou parecendo uma senhora espanhola, conforme sua origem). Em Gilda,  sente-se a mão da direção em cada frase, em cada entonação. Escolhe-se  às vezes até ângulos inesperados (como o enquadramento em primeiro plano do pescoço de Glenn Ford) para colocar o que ela tinha de melhor em destaque. Sua entrada em cena é uma verdadeira “entrada de estrela”, como só a velha Hollywood sabia fazer. Depois de dez minutos de filme, o marido pergunta: " Gilda você está decente?" , e ela entra em quadro, levantando os cabelos dizendo “quem, eu?”.
Com o ar mais inocente do mundo. Brilhantemente escritos por Marion Parsonett, os diálogos do filme são um primor de sutilezas e insinuações. É muito estranho perceber que  realmente tudo foi feito para burlar a censura da época. Fica evidente que existe uma ligação homossexual entre  o jogador norte-americano (Ford) e seu patrão (McReady) que o encontrou nas docas e salvou sua vida. Gilda é a mulher que se intromete entre eles. Se alguém dúvida desta interpretação, que preste atenção nos diálogos,  principalmente quando se referem constantemente à bengala de McReady (que tem uma parte ejetável, um evidente símbolo fálico, um estilete na ponta).
Como tudo é meio sutil e com meias palavras, acaba contribuindo ainda mais para o clima de erotismo do filme. A relação entre Gilda e Ford tem um contorno de amor e ódio, de sadomasoquismo. Os dois se agridem o tempo todo numa relação doentia e talvez por isso mesmo fatal. Gilda pode ser vista também como um film-noir, com tudo que caracteriza o gênero: a bela fotografia em claro-escuro, a narração na primeira pessoa, os cenários em estúdio, o clima pessimista e a trama confusa e tortuosa (que usa uma desnecessária história de espionagem de tungstênio alemão para complicar as coisas, seria aquilo que Hitchcock chamava de “McGuffin”, ou seja, um fato que só serve para desculpar o resto do enredo). Corrigindo o que disse antes, na verdade nunca houve, nem haverá, mulher não como Rita, mas como Gilda.

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