sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Com violência do narcotráfico, novo filme de Oliver Stone debate sobre o que é ser selvagem

Mário Barra
Do UOL, em São Paulo
  • Cena de Os Selvagens, de Oliver Stone, que estreia nesta sexta-feira (5) no BrasilCena de "Os Selvagens", de Oliver Stone, que estreia nesta sexta-feira (5) no Brasil
Menos de 150 quilômetros separam Laguna Beach, região nos arredores de Los Angeles, da cidade mexicana de Tijuana, localizada na fronteira com os Estados Unidos. Mas mesmo com pouco espaço para trabalhar, o diretor Oliver Stone conseguiu retratar um universo de pessoas que só estão reunidas por causa do lucrativo comércio de drogas em "Selvagens", filme que estreia nesta sexta-feira (5) nos cinemas brasileiros.

SELVAGENS NO MÉXICO E NOS EUA

  • Divulgação Oliver Stone aponta o dedo para os Estados Unidos e defende legalização da maconha ao falar sobre a violência no México ligada ao tráfico de drogas
Católicas, drogadas, sonhadoras, corruptas ou assassinas, cada uma das personagens parece despertar no espectador uma pergunta sincera sobre o que é ter um comportamento normal. Ou, para usar o título do filme, sobre o que é ser selvagem de verdade e se isso tem a ver com agressividade ou se significa apenas ser diferente de civilizado.
A história é narrada por O., uma garota californiana esculpida como uma pessoa impossível de não se admirar: bonita, amável, cheirosa e capaz de poetizar até mesmo sobre um instrumento para fumar. Do seu lado, são apresentados dois amigos de longa data, que a compartilham sexualmente. Chon é agressivo, pavio curto e poucas palavras. Ben é simpático, caridoso e sorridente. O primeiro é um ex-militar. O segundo, um estudante de botânica.
O clichê da união entre músculos e cérebro ganha sentido quando se descobre o que os une além da garota e da amizade: um lucrativo comércio amador de maconha. O trio feliz é conhecido em Laguna Beach por coordenar o cultivo e a distribuição do fumo mais potente e agradável do mundo. Trazida a laboratórios escondidos na Califórnia, a erva foi obtida por Chon no Afeganistão e agora faz, ironicamente, a alegria dos jovens da região das praias californianas.
Segundo ela mesma, O. é "dona" dos dois parceiros e acredita ser a cola que vai impedir qualquer coisa de separá-los. É quando um vídeo perturbador, enviado com "carinho" por um cartel comandado por uma cruel chefe do narcotrático em Tijuana, alerta o trio sobre o iminente fim da tranquilidade. Nas imagens, pessoas sendo decepadas.
 Cena de "Selvagens" (2012) Divulgação
Teoria da selvageria
Oliver Stone a partir deste momento apresenta uma trama cheia de reviravoltas, marcada pela mudança no comportamento dos dois núcleos: a rede montada em Laguna Beach e o conglomerado de matadores a sangue frio mexicano.
Cada grupo começa, aos poucos, a acusar o outro de ser selvagem. Os integrantes do cartel de Tijuana acham absurdo como os três são promíscuos, desligados da realidade e desrespeitosos a ideias como hierarquia e ordem. Já O. e os rapazes desaprovam a truculência e o terror espalhados pelos traficantes "profissionais".
Stone prefere não elaborar uma resposta de imediato, mas sugere que os humanos dos dois lados podem ser bem mais parecidos do que à primeira vista, especialmente conforme a história avança e os brios são testados cada vez mais.
Dedo na ferida da fronteira
A violência de guerra que caracteriza filmes de Oliver Stone como "Platoon" e "Nascido em 4 de Julho" volta à tona em "Selvagens", especialmente por conta dos métodos de convencimento dos narcotraficantes: vídeos com armas, máscaras, torturas e cabeças rolando.
Quem tiver estômago poderá encontrar imagens de execuções bem mais gráficas em sites de busca na internet, mas é preciso alertar sobre a extrema brutalidade das cenas, sem as sutilezas, cortes de cena e música ao fundo como nas ficções de cinema. Os vídeos servem como alertas sobre o que pode acontecer a alguém que desobedece ou trai um cartel de drogas.
Mas mesmo sem tornar uma morte mais trágica do ela precisa ser somente para passar um recado, Stone consegue demonstrar com habilidade o terror que envolve o narcotráfico mexicano, mas é bem claro em apontar que o problema existe também por causa dos norte-americanos: seja pela omissão ou pela corrupção.
Elenco
Para retratar uma "fauna" tão diversa de selvagens, Stone mesclou atores em ascensão como Aaron Jackson ("O Ilusionista") e Taylor Kitsch ("Battleship") com nomes consagrados no cinema por estilos de atuação completamente diferentes: John Travolta, Salma Hayek e Benicio Del Toro.
A atriz de 46 anos vive Elena, uma senhora cheia de si, que assumiu os negócios do marido e comanda com rigidez seu cartel, que rivaliza com o bando de um criminoso chamado El Azul pelo controle do tráfico na costa oeste mexicana e norte-americana. Protegida pelo dinheiro e por seus soldados, a narcotraficante consegue manter distância do sangue gerado pelos negócios que toca, mas fraqueja quando o assunto é sua distante filha, radicada nos Estados Unidos.
  • Divulgação Trio vivido por Taylor Kitsch (á esquerda), Blake Lively (centro) e Aaron Jackson em "Selvagens"
Seu principal aliado é Lado, personagem cujo nome ganha mais sentido quando o espectador começa a notar as diferentes facetas da convincente atuação de Benicio Del Toro, experiente em viver papéis de criminosos misteriosos, com olheiras profundas. Apesar de pouco instruído, o personagem tem uma forte intuição e um faro raro para detectar mentiras ou mesmo o momento certo para se procurar amigos e inimigos.
Já o policial Dennis, vivido por John Travolta, não é tão "matuto" quanto Lado, mas utiliza muito bem a rede de informações e de influências que tem acesso por ser ligado ao Departamento de Entorpecentes norte-americano (DEA).
Dennis é acuado por Chon, o mais agressivo da dupla que cultiva "a melhor maconha do mundo", quando a musa O. é posta em perigo. Escorregadio, dissimulado e voltado à proteção própria, o policial demonstra no decorrer da trama a sua versão do "selvagem", especialmente quando sua posição é posta em risco.
Mas nem mesmo o elenco consegue segurar um certo excesso de reviravoltas e momentos mirabolantes que o filme de Stone traz. Com tanto a dizer sobre instintos, vícios, amores e agressividade, o diretor tenta se recuperar no final, com uma solução talvez bem realista para a dúvida que o título sugere.
A pergunta volta à mente: quem seria o verdadeiro selvagem: aquele que se entrega às vontades ou o pensador frio e calculista? E -- para recuperar o espírito filosófico da discussão -- ser selvagem é bom ou ruim?

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