Ana Maria Bahiana
Do UOL, em Los Angeles (EUA)
Quando o diretor Tom Hooper considerou embarcar no projeto de trazer o musical "Os Miseráveis" para a tela grande, ele sabia exatamente em que confusão estava se metendo: "Um musical é uma realidade alternativa na qual as pessoas se comunicam cantando", ele diz. " E aí está o desafio: esta realidade alternativa tem que convencer plenamente a plateia, senão está tudo perdido. Se não for 100% convincente, se for só 95% , não funciona. Eu deveria ter ficado apavorado, mas fiquei absolutamente fascinado pelo desafio."
Hooper vinha do sucesso de "O Discurso do Rei", vencedor de vários prêmios, inclusive quatro Oscar e um Globo de Ouro, e queria, nas suas palavras, "fazer algo que fosse absoluta e completamente diferente de tudo o que eu já havia feito antes". Além do amor pela história original de Victor Hugo, Hooper estava tentado pela ideia de abordar um gênero que era um dos fundamentos da indústria em meados do século 20: o musical.
"Eu sabia que o musical tinha várias convenções, vários métodos que já estavam sacramentados pelo tempo: as canções pré-gravadas, a mistura de diálogo com canções… A norma é 50% canções, 50% diálogo. 'A Noviça Rebelde', um grande musical, tem um trecho de 28 minutos sem nenhuma canção, apenas diálogo. E de imediato eu vi que tinha que subverter isso. Desde o começo, eu sabia que minha versão de "Os Miseráveis" seria 100% canções.
E que essas canções não seriam dubladas, mas interpretadas ao vivo, no set, diante da câmera."
Hooper diz que tomou a decisão por vários motivos: primeiro, "para honrar o musical, um sucesso há 27 anos, e que não usa diálogos". Depois, para evitar que as plateias, desacostumadas com musicais, se perdessem entre diálogo e música, e ficassem o tempo todo envolvidas pela "realidade alternativa" da trama cantada. "E, para isso, as canções tinham que ter a mesma carga emocional de um diálogo", Hooper acrescenta. "Por isso, tinham que ser cantadas ao vivo."
O que levou o diretor a um novo problema: quais seriam os atores com popularidade suficiente para atrair boa bilheteria e, ao mesmo tempo, capazes de cantar convincentemente, diante da câmera, as canções de Alain Boubil, Herbert Kretzmer e Claude-Michel Schonberg? "Eu tinha uma lista de atores bem curta", Hooper diz, rindo. "No topo havia Hugh Jackman como Jean Valjean. Depois, eu pus: 'número 2- ver número 1'. É verdade: sem Hugh Jackman eu não teria feito este filme."
"Só quando eu vi o filme pela primeira vez percebi o tamanho do risco que estávamos correndo", diz Hugh Jackman. "Aliás, corrijo: o tamanho do risco que Tom estava correndo, depositando todo o seu projeto na nossa capacidade de atuar e cantar ao vivo." O primeiro dia de filmagens foi uma espécie de teste iniciático: Jackman e a equipe estavam no alto de uma montanha, fazia menos três graus de temperatura, Jackman estava com uns tamancos de madeira nos pés, ventava horrivelmente e o pobre do técnico de som tinha carregado todo o equipamento dele nas costas, subindo não sei quantas milhas a pé pela trilha. "Eu pensei: 'Se eu falhar agora, estamos perdidos'", Jackman diz, rindo.
O principal papel feminino, Fantine, a operária que se prostitui para poder sustentar a filha, foi preenchido graças aos contatos de Jackman: "Anne Hathaway e eu temos a mesma professora de canto, a famosa Joan Lader. Eu conheço Anne muito bem, sei o quanto ela é talentosa, e senti que o papel estaria no momento certo da carreira dela."
"Hugh não deveria existir", Hathaway diz, rindo muito."Sério! Como é possível alguém tão masculino, tão emotivo e tão atlético ao mesmo tempo! E ainda por cima canta! Eu já era fã dele e agora sou absolutamente louca por ele. Ele é um profissional seríssimo e uma pessoa completamente calma e centrada que espalha alegria ao seu redor. Nosso ritmo de trabalho era brutal, e sem a liderança, a alegria e a calma de Hugh não sei onde nós estaríamos."
Além de terem que manter seu desempenho vocal o mais próximo possível da perfeição – "Nenhum dos atores principais tinha direito de ficar gripado", diz Jackman –, Hugh e Anne tinham outro desafio: perder peso drasticamente. A já esguia Anne Hathaway perdeu 14 quilos com uma dieta rigorosíssima para viver a tuberculosa Fantine. Jackman precisava, além de perder peso, parecer emaciado e doentio para a primeira parte do filme, quando Jean Valjean é um prisioneiro libertado depois de 19 anos de trabalhos forçados. "Mas além disso ele ainda é um homem com uma força brutal – é um dos detalhes mais importantes que Victor Hugo dá do personagem", diz Jackman. "Isso quer dizer que, além de me alimentar só com proteínas sem carboidrato algum, eu ainda tinha que malhar duas vezes por dia… com uma aula de canto no meio."
Tanto esforço e dedicação está sendo mais do que compensado: com um Globo de Ouro cada um, Hugh Jackman e Anne Hathaway estão entre as oito indicações que "Os Miseráveis" recebeu para o Oscar.
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