domingo, 23 de janeiro de 2011

Após livro e peça, Cauby Peixoto vira filme

Se revelasse a idade, Cauby Peixoto poderia comemorar duas efemérides em 2011, com uma especial colaboração do cinema brasileiro: seus 60 anos de carreira — estes assumidos, com orgulho — e os 80 (inconfessados) anos de seu nascimento. Niteroiense, o cantor nasceu sob o signo de aquário, num 10 de fevereiro que alguns historiadores afirmam ter caído em 1931 e outros, em 1934. Sobre o assunto, Nancy Lara, sua empresária, apenas brinca: “Anjos não têm idade.” Talvez com a estreia do documentário “Cauby — Começaria tudo outra vez”, com direção de Nelson Hoineff e já em finalização, a aveludada voz que preserva a tradição dos rouxinóis da era do rádio dos anos 50 resolva admitir sua condição de octogenário para um público capaz de alternar fãs de cabelos grisalhos e jovens recém-saídos da fase das espinhas. Pelo menos sempre que ele canta no Bar Brahma, na esquina das míticas avenidas Ipiranga e São João, em São Paulo, em apresentações semanais, às segundas-feiras, às 22h30m, gerações variadas se reúnem na plateia para aplaudi-lo aos acordes de “Conceição” e “Bastidores”.
— Fico envaidecido com esse interesse do cinema brasileiro por mim. Vi o filme que o Nelson fez sobre o Chacrinha (“Alô, Alô, Terezinha”) e gostei muito. Quero muito estar no Rio para a estreia — diz Cauby, que neste domingo e na terça-feira faz shows no Sesc Belenzinho, também em São Paulo.Em clima de “Parabéns pra você”, o espetáculo do Sesc celebra as seis décadas transcorridas desde que Cauby se profissionalizou no canto, sob os auspícios de Edson Collaço Veras, o empresário conhecido como Di Veras, seu mentor, morto em 2005. De carona, ele ainda volta ao estúdio para a gravação de um novo trabalho — que pode se desdobrar em mais de um CD — e ainda promove o álbum “Cauby sings Sinatra”, lançado em outubro.
— Fazendo tanta coisa, eu acabo tendo pouco tempo para ir ao cinema. Mas entre os filmes brasileiros recentes, consegui ver “Se eu fosse você”, que me agradou muito — diz o cantor, tema de homenagens em diferentes mídias.A literatura foi a primeira: em 2001, o jornalista Rodrigo Faour publicou, via Record, o livro “Bastidores — Cauby Peixoto: 50 anos da voz e do mito”, elogiado pela crítica especializada como uma das melhores biografias ligadas à música da década passada. Em 2006, foi a vez do teatro: Diogo Villela protagonizou o musical “Cauby! Cauby!”, cujo texto, de Flávio Marinho, foi editado pela Imago. Faltava o cinema reverenciar o artista que, de acordo com o “Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira”, “é considerado por dez entre dez figuras da MPB o maior cantor do Brasil”.
— Vi o Cauby pela primeira vez no Hotel Quitandinha. Eu tinha 5 ou 6 anos, e aquela figura cercada de fãs enlouquecidas me encantou — lembra Nelson Hoineff, crítico de cinema e documentarista famoso por seu estilo escrachado, perverso para alguns, hilário para outros, premiado em 2009 pelo júri popular do Festival de Paulínia com “Caro Francis”. — Mais tarde, eu percebi que havia em Cauby dois vetores que me fascinavam. Um estava na ousadia de seu comportamento, uma espécie de militância velada da transgressão. Outro, na firmeza da sua interpretação. Saber exatamente do que está falando. Reconheço isso em pouquíssimos artistas: Bethânia, Caetano, Chico, João (Gilberto), Gonzaguinha e também (Agnaldo) Timóteo.
Hoineff trata seu biografado com admiração, mas sem reverência:
— Cauby nem sempre escolheu com acerto seu repertório. Mas quando canta o que de fato está querendo cantar, é verdadeiro e estabelece o diálogo que só os grandes artistas são capazes de fazer— diz o cineasta, cujo filme já gera expectativa acerca das revelações sobre o lado mais reservado de Cauby, em especial sua sexualidade.Mesmo antes de assumir um visual andrógino, com uma peruca de cachinhos hoje folclórica na MPB, Cauby cruzava as fronteiras entre feminino e masculino contrastando sua voz grave com trejeitos suaves. Há sete anos, chegou a se apresentar na boate gay Le Boy, em Copacabana, onde ensaiou uma saída do armário discreta, ao falar “Nós somos especiais” ao microfone, frente a uma plateia GLS em fervura máxima.
— O Cauby é uma pessoa muito fechada. Seu mundo é sua música. É quase impossível extrair revelações. O próprio Faour já tinha me adiantado isso. A irmã do Cauby, com quem fui me aconselhar, foi taxativa: “Meu filho, ninguém tira nada dele.” Mas a gente insistiu, criou truques. A partir daí, acho que conseguimos revelações inéditas sobre a sua visão da sexualidade e a conturbada relação com o empresário Di Veras, por exemplo — diz Hoineff.
Animado com o filme, Cauby lembra com carinho sua primeira ida ao cinema.
— Fui ver “Flash Gordon”, ainda menino. Dali para a frente, passei a me encantar por muitos atores e atrizes. Seria difícil destacar um preferido — diz o cantor, que confessa não ter intimidade com a produção documental brasileira. — Esse filme está criando um suspense, uma expectativa. Acho que o Nelson fará o bom trabalho que ele sempre faz.
Ainda sem distribuidor, “Cauby — Começaria tudo outra vez” pode iniciar sua carreira em maio, pelo CinePE, o festival realizado entre Recife e Olinda famoso por agregar cerca de três mil espectadores por noite. Em 2009, Hoineff saiu de lá com o troféu Calunga de melhor filme e com o prêmio de júri popular por “Alô, alô, Terezinha”.
— Ao contrário daquele filme e de “Caro Francis”, preferi chegar ao final de “Cauby” para só então negociar com os distribuidores. Acho que é melhor para todos. A inscrição no CinePE é uma grande possibilidade. Em 2009, ganhamos quase todos os prêmios principais — diz Hoineff, que viu seu documentário sobre o Velho Guerreiro conquistar a adesão de uma multidão. — Eram mais de 3 mil pessoas ovacionando em tempo integral, interagindo com o filme a cada minuto. Isso não é algo que se esqueça com facilidade. Como crítico, frequento o CinePE há muitos anos. Já fui do júri oficial e do júri da crítica, e sempre considerei impressionante a sinergia que o evento consegue entre alguns filmes e uma plateia tão grande e participativa.Até a confirmação da mostra pernambucana sair, Cauby vai celebrar seu(s) aniversário(s) cuidando de seu patrimônio mais valioso:
— Não tomo álcool. Não bebo nada gelado. Faço tudo para preservar a voz. Com ela, eu gravei muita gente importante como Tom Jobim, Chico Buarque, Ivan Lins e até Sinatra. Eu acho que já gravei todo mundo que está ou já esteve por aí na Música Popular Brasileira. Gosto de ouvir o bom trabalho de vozes mais jovens do que a minha, como Alcione, Emílio Santiago e Zizi Possi. Mas sinto falta das composições do passado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...