segunda-feira, 29 de julho de 2013

Não se iluda com declaração do papa-Igreja com relação a gays ainda é medieval

Como já está virando rotina desde que Jorge Bergoglio se tornou o papa Francisco, o pontífice tem conseguido mandar mensagens poderosas seja pelo que fala, seja pelo que cala. A declaração sobre sua recusa em "julgar" quem é gay, mas busca a Deus de modo sincero, provavelmente precisa ser lida dentro dessa moldura. Primeiro, é verdade que, a rigor, não há nada de inovador em Francisco afirmar que é preciso acolher as pessoas com "tendências" homossexuais e, inclusive, citar o Catecismo da Igreja Católica, o guia doutrinal máximo do catolicismo, a esse respeito. É o que os últimos papas ou seus "czares" doutrinais, os chefes da Congregação para a Doutrina da Fé, têm dito reiteradas vezes. Veja o especial O papa no Brasil Igor Gielow: Com ideário franciscano, papa driblou políticos 'caroneiros' 'Se uma pessoa é gay e busca Deus, quem sou eu para julgá-la?', diz papa 'Alegria é maior que o cansaço', tuíta Francisco de dentro de avião Confira as principais frases ditas por Francisco durante sua visita ao Brasil A questão é que a Igreja traça uma distinção aristotélica entre "tendência" e atos, em especial atos rotineiros e que não envolvam arrependimento e desejo de "conversão", ou seja, de deixar de agir daquela maneira. A visão católica tradicional é que a prática homossexual é um pecado como qualquer outro - como o adultério cometido por heterossexuais casados, digamos. Ninguém pode, por um ato de vontade, simplesmente evitar o desejo por outra mulher mesmo sendo casado, mas o que pode e deve fazer, diz a Igreja, é evitar que esse desejo saia do controle e vire uma traição. Papa Francisco conversa com a presidente Dilma Rousseff, Cristina Kirchner, a presidente da Argentina e Evo Morales, presidente da Bolívia durante a missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude

HISTÓRIA ANTIGA A proibição cristã da prática homossexual está diretamente ligada às origens judaicas da Igreja. Em passagens do livro do Levítico (nos capítulos 18 e 20), a Bíblia hebraica condena os "homens que se deitam com outros homens como se fossem mulheres", dizendo que se trata de uma "abominação" e condenando ambos à morte. Não há registros historicamente confiáveis de alguém que tenha sido sentenciado a essa pena na época em que os israelitas eram uma nação independente, no entanto. Embora interpretações posteriores do livro do Gênesis associem a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra pela ira divina a uma tentativa de estupro homossexual por parte dos moradores contra anjos enviados por Deus, o sentido mais natural da passagem parece ser o de que eles foram condenados por violar o costume de respeitar os hóspedes, importante "lei não escrita" do Oriente Médio antigo. No Novo Testamento, os Evangelhos não registram nenhuma fala de Jesus sobre a homossexualidade. Em algumas de suas cartas, no entanto, o apóstolo Paulo parece reafirmar a condenação judaica desse tipo de prática sexual. Alguns especialistas modernos, no entanto, dizem que a terminologia e o contexto dos textos paulinos são ambíguos. Segundo eles, Paulo não estaria se referindo a relações consensuais entre dois gays adultos de mesma condição social --coisa muito rara, ou mesmo impensável, na cultura da Antiguidade--, mas sim a prática de "pederastia", na qual um homem de condição livre, já adulto, forçava adolescentes pobres ou escravos a serem seus amantes passivos. De acordo com essa interpretação, Paulo estaria condenando a violência inerente a esse tipo de relação sexual. A ideia de "casamento gay" estaria simplesmente fora do horizonte cultural dos primeiros cristãos.

O QUE CALAR Voltando à questão inicial, é perfeitamente possível interpretar a declaração de Francisco sobre os gays em geral no mesmo contexto do que ele disse sobre sua recusa em mencionar temas como aborto, casamento homossexual (e não orientação gay em geral) e ordenação de mulheres. Nesses três temas polêmicos, ele se limitou a dizer: o ensinamento da Igreja não muda e não achei que era o caso ficar martelando esses temas, em especial durante a Jornada Mundial da Juventude. Por outro lado, é inegável que, numa instituição com tanto peso histórico quanto a Igreja, enfoques e ênfases também são importantes. Só para citar um exemplo, é improvável que João Paulo 2° achasse supérfluo, ou "fora de hora", insistir nessas questões. E abordar a questão da homossexualidade primeiro pelo ângulo da "misericórdia", por mais que isso possa soar condescendente aos ouvidos da militância gay, pode ter repercussões importantes na maneira como a questão é tratada no cotidiano pastoral da Igreja.

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