domingo, 4 de março de 2018

Andréa Beltrão mergulha na vida e no acervo de Hebe Camargo para vivê-la na ficção

Os dias têm sido agitados para a cacatua Tutu, um dos animais de estimação deixados pela apresentadora Hebe Camargo, que morreu em 2012 aos 83 anos. Há um ano, Tutu viu Andréa Beltrão chegar à casa de Hebe, em São Paulo, e vestir as roupas e joias da apresentadora. A atriz dançou pelos salões, mandou beijos e gargalhou, improvisando alguns dos gestos da loira. Era um dos primeiros experimentos na preparação de Andréa para viver Hebe no cinema e na televisão.

Ela fará o papel em um longa dirigido por seu marido, Maurício Farias, que deve estrear até o final do ano, e em uma série para a Globo, prevista para 2019. Um documentário com imagens de arquivo e entrevistas também está nos planos. A cacatua ficou agitada, confusa. Seguiu Andréa por todos os lados, atraída pelo cheiro das roupas de Hebe que ela vestia. E acabou por se render, subindo nos braços da atriz. “Foi tão bonitinho… Parecia que a Hebe tava dizendo assim: ‘Pode pegar’”, diz a intérprete ao repórter João Carneiro. Andréa recebeu o convite para viver Hebe na ficção já em 2014, quando nasceu o projeto do longa-metragem. Agora, prestes a iniciar as gravações, está imersa em estudos sobre a apresentadora. “Tô procurando, devorando, estudando, vendo dez, oito horas por dia de vídeo, lendo todas as entrevistas”, conta. “Não é nada fácil fazer essas personagens que existem [na vida real]. É uma situação delicada porque, além de você não querer trair a pessoa que viveu, é difícil fugir da imitação pura e simples. Eu gostaria de achar a energia, a pulsão de vida dela, como ela se comporta, por onde vem a fala, os movimentos. O lugar dessa espontaneidade.” Hebe faz “questão absoluta de ser livre para falar o que ela acredita”, continua Andréa. “Por isso é que ela faz tanta questão que o programa dela seja ao vivo. Não é um capricho. Ela precisa ter a liberdade para viver as coisas que ela quer. Errada, torta, não importa. Mas ela quer ser livre pra viver.” O filme mostrará Hebe na década de 1980, período em que, nas palavras da roteirista, Carolina Kotscho, ela “não fugia de nenhum assunto. É a hora em que ela se apresenta, se aceita, se coloca. Se joga no abismo”. Carolina também é produtora do longa, assim como Lucas Pacheco e Claudio Pessutti, sobrinho e empresário de Hebe. Naquela década, por exemplo, Hebe admitiu ter feito aborto, defendeu os homossexuais e fez discursos politizados em seu programa —um deles, em que criticava os constituintes, lhe rendeu uma ameaça de processo de Ulysses Guimarães. “Ela sempre foi uma defensora dos direitos do povo”, comenta Claudio Pessutti. “Brigava muito, ficava indignada com os acontecimentos.

Muitas vezes, assistia ao jornal da tarde, me ligava e falava ‘Quero ir lá! Eu preciso falar, entrar ao vivo. Eu tô indignada!’. Tinha vez que eu não conseguia segurar. Ela ia na emissora concorrente mostrar a indignação dela”, diz. Claudio conta que Hebe “se preocupava muito com a situação do Brasil, das pessoas, principalmente os mais carentes. Hoje você não vê alguém que faça isso com alma, que lute mesmo, que brigue, que ponha a cara”. Mesmo assim, Hebe contava, em uma entrevista à Playboy em 1987, que já fora chamada de “monumento da alienação” —“É uma das poucas coisas que ela não era”, diz Claudio. Recebia em seu programa figuras de todo o espectro político e se recusava a encaixar-se em um campo: “Não sou de direita, sou direta”, dizia ela, que por muitos anos apoiou Paulo Maluf. No regime militar, conta Carolina, Hebe foi obrigada a receber generais no ar. “Quando começou a ditadura, você vê entrevistas dela achando que [o regime] pode ser legal, porque ela viu um general chorando, e um homem que chora é uma pessoa que tem coração. Ela acredita num primeiro momento”, conta. “Mas quando começam a proibir pessoas de irem ao programa, a obrigá-la a receber os generais, ela se revolta, vai para a porta da emissora [protestar]. Essas contradições dela são lindas. Hebe se envolve, acredita, e depois muda de ideia sem nenhum pudor”, diz Carolina. “Ela acreditava nas pessoas. Se você fala que é um cara bacana, ela vai acreditar”, completa Claudio. O sobrinho de Hebe é quem mora hoje na casa que ela deixou, mantendo os inúmeros objetos de decoração. Ele cuidava da vida profissional da tia desde 1992, acompanhando-a em seus compromissos. Ele fala, rindo, das vezes em que fazia “uma meia censura” no comprimento das roupas de Hebe, que, segundo ele, queria mostrar “o que tinha de bom” —suas pernas. Ele orientava o costureiro, mas a apresentadora protestava quando recebia o figurino: “Não tá bom assim!”. “Era duro convencer”, ri Claudio. Narra ainda os episódios em que Hebe, ao ouvir elogios sobre seus vestidos e sapatos, resolvia dar a roupa ao autor do cumprimento: certa vez, foi embora de seu programa de roupão porque deixou o figurino com uma fã. Em outra ocasião, saiu andando com os sapatos de Claudio porque tinha dado os que calçava para alguém. “Ela não entendia que fazia aquele sucesso todo”, continua o sobrinho de Hebe.

Ele conta que a tia não se interessava nas propostas que recebia de editoras que queriam fazer sua biografia. Perguntava: “Quem vai ler sobre minha vida?”. Um livro do gênero sobre a apresentadora, escrito por Artur Xexéo, foi publicado em 2017. A história de Hebe também está preservada em um acervo com seus objetos, que Claudio organiza para uma exposição que pretende realizar no futuro. Ali está uma infinidade de troféus, sapatos, roupas de pele animal e um mar de presentes enviados por fãs. No meio do acervo, há um telefone dourado, cravejado de brilhantes. O aparelho era usado em uma loja que Hebe visitou em Dubai, mas ela insistiu até conseguir comprá-lo. Claudio conta, apontando para os enfeites de Hebe, que a tia costumava admitir: “Eu sou perua mesmo!”. Também há na coleção um álbum com cartões que a apresentadora recebeu quando foi internada devido a um câncer descoberto em 2010. Gugu, Felipe Massa, Maria Rita e as crianças da AACD são algumas das pessoas que escreveram. Um recado de Rita Lee diz: “Volte rapidinho para nós. Te amamos muito”. As duas eram amigas de longa data. No final da vida, a única coisa que Hebe detestava era estar no hospital, diz Claudio. “Muita coisa [do tratamento] fazíamos em casa. Ela levou até o fim assim. Nunca falou: ‘Vou morrer’. Até um dia antes de morrer, ela dizia: ‘Amanhã eu vou estar melhor’”. Numa quinta-feira, Claudio acertou com o SBT a volta da apresentadora à emissora —a notícia a deixou superfeliz. Na sexta, ela recebeu flores da direção do canal. No sábado, morreu. “Ela esperava isso [voltar para a TV], queria muito. Nem que fosse para fazer um só programa”, diz Claudio. Hebe morreu durante o sono, após uma parada cardíaca decorrente do câncer, em 29 de setembro de 2012. Na música que embalava a dança de Andréa Beltrão em seus primeiros experimentos na pele da apresentadora, Hebe canta: “Nada além de uma ilusão / Chega bem / É demais para o meu coração / Acreditando em tudo / Que o amor / Mentindo sempre diz / Eu vou vivendo assim feliz / Na ilusão de ser feliz”. Mônica Bergamo

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