domingo, 4 de março de 2018

Morre aos 95 anos a atriz Tônia Carrero

A atriz Tônia Carrero morreu na noite deste sábado (3) aos 95 anos após sofrer uma parada cardíaca durante um procedimento cirúrgico numa clínica do Rio de Janeiro. Em entrevista à GloboNews, a neta Luiza Thiré informou que Tônia se submeteria à troca de curativo de uma úlcera, procedimento considerado simples. Segundo Luiza, o velório será realizado neste domingo, aberto ao público, em local ainda a ser definido pela família. Seu corpo deverá ser cremado na segunda-feira, atendendo a desejo da atriz

Nome artístico de Maria Antonietta Portocarrero Thedim, Tônia foi uma das atrizes mais reconhecidas da segunda metade do século 20. Na TV, seu último papel foi em 2004, quando interpretou a personagem Madame Berthe Legrand, na novela Senhora do Destino, da TV Globo. Ela atuou ainda no teatro e no cinema. No total, Tônia atuou em mais de 50 peças em 64 anos de carreira. Sua estreia no teatro foi em 1949, ao lado de Paulo Autran em "Um Deus Dormiu Lá em Casa". Teve um único filho, o também ator Cécil Thiré. Tônia sofria de hidrocefalia (excesso de líquido no cérebro). Os primeiros sintomas da doença apareceram em 1999. Sua última aparição pública aconteceu em abril de 2011, quando foi ver uma peça estrelada pelo filho.Tônia Carrero foi, sem dúvida, a mais bela atriz brasileira do século 20 — apesar de ter perdido o título para Maria Fernanda Cândido em uma votação do “Fantástico” em 1999, feita justamente quando Maria Fernanda era o rosto do momento na novela “Terra Nostra”, o que influenciou o público. Apaixonada pelos palcos, Maria Antonieta Portocarrero Thedim nasceu em 23 de agosto de 1922, no Rio de Janeiro. Já no começo da juventude, era admirada por todos pela sua estonteante beleza, que logo a tornou o rosto mais louvado de Ipanema. A beleza lhe lançou nos palcos, onde demonstrou ser não só um rosto bonito, mas uma atriz de talento reconhecido pela crítica nas peças do histórico TBC, o Teatro Brasileiro de Comédia e depois nas companhias que teve, com as quais montou os mais importantes textos do teatro internacional e brasileiro.
Se sua carreira foi farta nos palcos, onde fez 54 peças, foi mais tímida na TV, onde fez 15 novelas entre 19 trabalhos. Uma de suas personagens marcantes foi a Rebeca de “Sassaricando”, novela de 1987, e a Stella de “Água Viva”, de 1980. Sua última aparição da TV foi na novela “Senhora do Destino”, como Madame Berthe Legrand. No cinema, Tônia fez 19 filmes, sendo o mais recente “Chega de Saudade”, de Laís Bodanzky, no qual viveu a personagem Alice, uma senhora idosa que frequentava um baile paulistano. Mulher empoderada dona de sua carreira e de seu próprio destino, ela montou após o TBC seu próprio grupo, a Companhia Tônia-Celi-Autran, em parceria com o amigo ator Paulo Autran e o diretor italiano Adolfo Celi, que foi o primeiro diretor do TBC e seu marido. Antes de virar atriz profissional, foi mãe de seu único filho, o também ator Cecil Thiré, fruto em 1943 do relacionamento com o artista plástico e desenhista Carlos Arthur Thiré. Cecil lhe deu netos artistas: os atores Miguel Thiré, Carlos Thiré e Luísa Thiré. Tônia também foi uma das atrizes que lutou contra a censura da ditadura militar à classe artística. Ela participou da histórica passeata contra a censura ao lado de outras importantes atrizes, como Eva Todor, Odete Lara, Eva Wilma, Norma Bengell e Cacilda Becker. Desde que estrou nos palcos, em 1949 no Teatro Copacabana ao lado de Paulo Autran em “Um Deus Dormiu lá em Casa”, Tônia demonstrou talento dramático e segurança cênica. Mas o prestígio veio mesmo a partir de 1951, quando virou estrela da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e mudou-se para São Paulo, onde tornou-se também estrela do TBC e casou-se com o diretor Adolfo Celi.

Entre as peças marcantes deste período estão “Candida”, de Bernard Shaw, dirigida por Ziembinski. No palco, Tônia interpretou textos profundos e clássicos, de nomes como Jean-Paul Sartre, Antonio Callado e Pirandello. Deste último fez “Seis Personagens à Procura de um Ator”, que lhe rendeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo. Em 1965, deixou a sociedade com Celi e fundou a Companhia Tônia Carrero, na qual seguiu trabalhando com Paulo Autran. É com ela que, em 1968, faz marcante atuação como a prostituta Neusa Suely de “Navalha na Carne”, de Plínio Marcos com direção de Fauzi Arap. Ganhou o Molière por ter dado conta da difícil personagem em uma atuação emblemática, na qual abriu mão de sua famosa beleza para viver a decadente personagem.

Em 1970, voltou a trabalhar com Fauzi Arap em “Macbeth”, de Shakespeare, na qual fez par com Paulo Autran novamente. Outra peça marcante foi “Quem Tem Medo de Virgínia Woolf”, de Edward Albee com direção de Antunes Filho em 1978.
Atriz de risco, em 1986 trabalhou com Gerald Thomas, descoberto por ela na off-Broadway em Nova York, na peça “Quartett”, de Heiner Müller, que lhe rendeu Molière de melhor atriz. Em 1990, reencontrou o antigo parceiro Paulo Autran em “Mundo Mundo, Vasto Mundo”, peça baseada na obra de Drummond. Em 2000, voltou aos palcos em grande estilo ao lado de Renato Borghi em “O Jardim das Cerejeiras”, de Anton Tchekhov, sob direção de Élcio Nogueira. Sua última peça antes de ficar com a saúde complicada foi “Um Barco para o Sonho”, com direção de Carlos Augusto Thiré, seu neto, e na qual contracenou com Mauro Mendonça em 2007.Tonia Carrero era maior que a vida. Mas levou grande parte desta vida tentando provar que estava à altura de si mesma. Exemplos: Desde sempre –desde que ainda era a jovem Maria Antonieta Portocarrerro, ou Mariinha, antes mesmo de enfrentar uma câmera, em 1946, ou de subir a um palco, em 1949–, já era uma estrela. E já sofria porque queria ser reconhecida como atriz. Naquela época, foi figurinha das balas Fruna, ao lado dos artistas americanos cujas estampas ela própria ainda colecionava –onde já se viu? E foi uma das grandes belezas de seu tempo –talvez a mulher mais bonita do mundo na primeira metade dos anos 50–, mas nem assim conseguiu prender seus maridos em casa (os três fizeram do adultério uma arte). Ao fim e ao cabo, Tonia acabou vitoriosa em todos os quesitos. Tornou-se desejada, amada e respeitada como mulher, como estrela e como atriz, não por um único homem, mas por multidões. Não importava sua idade –em qualquer ambiente em que entrasse alterava a temperatura desse ambiente. Caso raro no teatro, alguns de seus maiores papéis foram feitos já em seu crepúsculo. E, quando sentiu que o palco lhe fugia, teve para onde voltar-se: para sua linda família, cheia de jovens atores e atrizes, formados à sua imagem. Tonia, ainda Mariinha nos anos 40, não entendia quando, enrodilhada aos pés de homens que admirava –Carlos Drummond de Andrade, Di Cavalcanti, Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Vinicius de Moraes, Mario Pedrosa–, sempre na casa de Aníbal Machado, em Ipanema, sentia que eles ficavam encabulados quando ela os encarava com seus olhos azuis. “Como os homens se diminuem diante da beleza de uma mulher!”, ela se espantava. Ao mesmo tempo, ao atravessar um jogo de vôlei na praia de Ipanema, ficava ofendida se os rapazes não interrompessem o jogo para vê-la passar –o que aconteceu pouquíssimas vezes. Aliás, quantos saberão que ela foi uma garota de Ipanema “avant la lettre” e, talvez, a primeira do gênero? Isso começou quando, aos 17 anos, em 1939, ela saiu da Tijuca e foi morar na avenida Vieira Souto. Ali, Tonia lançou as sementes de que brotariam as futuras garotas de Ipanema: mulheres lindas, com vasta quilometragem de praia, à vontade tanto entre pescadores quanto entre intelectuais, talentosas, independentes, corajosas. E, como aconteceria com outras muitos anos depois, foi cobaia de si mesma ao se construir como atriz e mulher num mundo ainda asfixiantemente masculino. “Porque tenho cabelo louro, eu vou na frente”, ela disse certa vez. E ia mesmo. Primeiro, em 1955, quando abandonou o TBC (em que dividia as luzes com sua heroína Cacilda Becker) para fundar sua companhia, Tonia-Celi-Autran, que, durante oito anos, levou Sartre, Pirandello, Shakespeare. Depois, em 1967, quando lutou em Brasília pela liberação de “Navalha na Carne”, de Plínio Marcos (proibida até para representação entre amigos!), e finalmente se consagrou como atriz, no papel da prostituta Neuza Suely. E, por fim, em 1986, aos 64 anos, quando montou o desconcertante “Quartett”, de Heiner Müller, com suas inversões de papéis e dezenas de oportunidades de “tour de force” para uma atriz. Houve um momento em que se imaginou que Tonia Carrero não morreria nunca. A cortina nunca cairia e, na casa dos 70, 80 ou 90, ela sobreviveria aos séculos. O que, de certa forma, aconteceu quando Tonia vestiu-se de sua indestrutível personalidade, tão século 20, e a apresentou, imperialmente, aos primeiros anos do século 21.

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