sábado, 25 de janeiro de 2014

SÉRIE “Looking”: a pasteurização do gay para o grande público

Um gatinho se embrenha entre as árvores de um parque com um tiozão barbudo. Eu, você, todos os gays sabem o que isso significa: pegação. Certo? Mas o bonito fica tentando puxar conversa, reclama das mãos frias do barbudão, o celular toca, e assim a cena dessa expressão sexual tão clássica e clandestina do mundo gay se desfaz na comédia, que termina com o rapaz fugindo do mato com uma cara aliviada. Esses são os primeiros momentos do seriado Looking, que estreou no último fim de semana na HBO dos EUA. Comparado por Deus e todo mundo ao seriado Girls, do mesmo canal, ele acompanha três amigos gays que vivem em San Francisco e seus relacionamentos amorosos.

Os primeiros minutos do episódio resumem bem como serão os outros vinte e poucos: promessas de temas titilantes retratados da maneira mais monótona e não-controversa o possível. Chega a impressionar que isso aconteça num seriado da HBO, famoso por aumentar o volume da sexualidade em todos os outros seriados. Mas aparentemente a proposta de Looking é provar que gays são gente como todo mundo, e para isso deve-se fugir do clichê do viado hipersexualizado. Então, apesar de atiçar o telespectador ao longo de sua meia hora com várias situações potencialmente excitantes, o máximo de nudez que se vê é um stripper numa festa, ao longe. Quem estiver a fim de ver homem pelado vai ter que recorrer a seriados mais héteros como Game of Thrones. E nesse esforço de normalizar o homossexual, o seriado insiste em bater na distinção entre os protagonistas e os “outros” gays: nossos heróis não são promíscuos como “aqueles outros”. Patrick, o bonitinho da primeira cena, mais tarde conta o que fez mas se apressa para apontar que não costuma fazer isso. O casal que dá a sorte de fazer um ménage reflete depois: “será que nós somos ‘aquele’ tipo de casal agora?”.

Nem mesmo o coroa pegador faz a biscat: quando não consegue levar um garçonzinho para a cama depois do trabalho, se limita a suspirar deitado no sofá, olhando para o nada… Nem parece que está em San Francisco, onde certamente quem quer não quer terminar a noite sem transar só precisa dar uma voltinha no Castro ou acionar o Grindr. O que se vê é, então, uma intenção de se heteronormatizar a vida gay. Oferece-se pitadas de viadagem, mas nada tão extremo a ponto de causar desconforto para o telespectador hétero. Bobeando, serve de modelo ao qual poderão almejar tantos gays que buscam “enobrecer” sua homossexualidade aproximando-a do padrão vendido pelas revistas femininas dos últimos quarenta anos: uma busca pelo príncipe encantado, que vai unir o romantismo com uma vida sexual animada por aquele caderno lacrado da edição do mês passado. É claro que a vida real é muito mais complexa – e por isso mais interessante. E assim, Looking perde muitas possíveis situações dramáticas. Sim, é ótimo ver um seriado 100% sobre homens gays. E não, nem todas histórias gays têm que incluir o momento de sair do armário, ou dilemas sobre como ser gay em sociedade – todos os personagens de Looking já passaram por isso, o que é ótimo. Mas se você remove todas as arestas da vida das bichas em prol de uma normalidade a toda prova, o que resta? Como bem aponta J. Bryan Lowder, se os três personagens fossem héteros, haveria razão para assistir esse programa? Looking parece seguir o princípio de que legal é o gay que não é gay demais.

Analisando-se a maneira como se retrata homossexuais na televisão, de um lado estão todas as caricaturas da bichinha que até hoje agraciam nossos televisores. Agora conseguimos descobrir um novo ponto no outro extremo: a bicha que é tão parecida com qualquer outro hétero que praticamente se torna um hétero também. A versão televisiva do gay no sigilo, fora do meio. Dois extremos de uma escala que dão a volta para se encontrarem no mesmo ponto de preconceito. E o resultado acaba sendo meia hora de televisão chata. Os atores são lindos, mas conversinha vai, conversinha vem, e nada muito acontece no episódio inteiro. Se os produtores queriam comprovar que a vida de gays pode ser tão pastel quanto a de qualquer outro ser humano, parabéns, conseguiram. Dez anos atrás Queer As Folk apresentava uma gama maior de situações e personagens que aparentemente Looking se propõe. Obviamente o momento é outro, mas convenhamos, por mais que hoje os gays sejam mais aceitos, ainda há dificuldades que rendem boas histórias. E os homossexuais continuam a ter comportamentos sociais e sexuais próprios, que podem desagradar o gosto de muitos, mas fazem parte de nossa cultura. Gays podem render histórias melhores – e mais picantes – que os contos de fadas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...