domingo, 23 de janeiro de 2011

"Chico Xavier" se torna mais pessoal na televisão

MARCELO BORTOLOTI/FOLHA
DO RIO

Nada mais elucidativo sobre a tendência do cinema nacional em reproduzir o estilo e a linguagem da televisão que a transformação de um filme em série de TV sem provocar nenhum tipo de estranhamento no espectador.
"Chico Xavier", minissérie em quatro capítulos que estreia terça na Globo, e "O Bem Amado", experiência similar exibida na semana passada, são exemplos disso. No caso da história do médium, a produção dos dois formatos foi praticamente indistinta. "Sabíamos que tínhamos um número maior de cenas, mas eu ainda não sabia o que estaria no filme e o que estaria na minissérie", diz o diretor Daniel Filho. Há cinco anos, ele foi convidado para fazer um filme baseado no livro "As Vidas de Chico Xavier", do jornalista Marcel Souto Maior.

foto-Ique Esteves/TV Globo /Os atores Laura Cardoso e Nelson Xavier em cena da minissérie "Chico Xavier", derivada de filme homônimo
Ao receber um roteiro de cem páginas, o diretor, expoente do cinema "padrão Globo", percebeu que ele renderia mais que duas horas para um filme comercial e propôs o segundo produto. Filme e série só se separaram na edição. Daniel optou por centrar o longa na entrevista que Chico Xavier deu ao programa "Pinga Fogo" e numa história dramática poderosa: a do casal (Tony Ramos e Christiane Torloni) que perde o filho e consegue esclarecer circunstâncias alusivas à sua morte numa carta psicografada pelo médium.
O material excedente, de cerca de uma hora, trazia um mergulho mais aprofundado na infância e na vida pessoal de Chico e será incorporado à série. "Será uma transposição mais fiel à biografia." A série vai mostrar, por exemplo, as relações com a madrasta, interpretada por Giulia Gam, que o maltratava, e com a mãe, vivida por Letícia Sabatella.
O filme teve 3,4 milhões de espectadores, o que permite esperar ibope melhor que o de outras experimentações no horário pós-"BBB", como "Amor em 4 Atos", que teve 21 pontos na estreia.
A emissora bancou parte da produção com um valor não revelado. O diretor também teve uma ajudinha do poder público. Do total de R$ 12 milhões, ao menos R$ 5,3 milhões vieram de mecanismos federais de incentivo e de um edital da Prefeitura de Paulínia. No cinema, o filme já faturou R$ 30 milhões.
NA TV
Chico Xavier
Estreia da minissérie
QUANDO de terça (25) a sexta (28), após o "BBB", na Globo
CLASSIFICAÇÃO não informada

Com esquema "2 em 1", Globo comprova que seus filmes são produtos para TV
MAURICIO STYCER/ESPECIAL PARA A FOLHA
A exibição de "O Bem Amado" e "Chico Xavier" em forma de microsséries de quatro capítulos comprova a percepção que parte da crítica e do público tem alimentado em relação à produção cinematográfica da Globo Filmes -de que se trata, basicamente, de televisão levada ao cinema.
Não surpreende saber que os dois filmes já foram realizados com a intenção de gerar este subproduto, a microssérie. Cenas adicionais foram filmadas, em ambos os casos, com o propósito de serem acrescentadas na versão para a televisão.
Nada contra. Assim como também é altamente compreensível que a Globo Filmes dê apoio, basicamente, a projetos de grande apelo popular, adaptados ou não da grade de programação da TV.Uma indústria de cinema que tenha esse nome precisa de público e é saudável que parte da produção atenda ao senso comum.O que "O Bem Amado" e "Chico Xavier" parecem sugerir, porém, é que este tipo de produção "2 em 1", além de otimizar custos, se destina basicamente a satisfazer o gosto do público que assiste à televisão em casa e agora consegue guardar um extra para visitar o multiplex do shopping uma vez por mês."O Bem Amado", tanto o filme quanto a microssérie de Guel Arraes, é um produto simplório, em defesa da ideia, corroborada pela conversa de botequim, de que "ninguém presta" em política. "Contra os canalhas, somente agindo como um canalha", diz o dono do jornal que faz oposição a Odorico Paraguaçu.No caso de "Chico Xavier", há um diferencial importante a se levar em consideração: a experiência de Daniel Filho com cinema -um meio que ele frequenta, como diretor, desde o final dos anos 60.O sucesso nas bilheterias da história do médium mineiro deve-se muito à habilidade do diretor em fisgar o público pela emoção em uma produção caprichada.Nada justifica, porém, o constrangimento de ver Daniel Filho optar pela "materialização" do espírito que Chico Xavier considerava seu guia. Emmanuel aparece à sombra do médium, e só é visto por ele. Orienta, cobra disciplina e dá instruções. É um jovem, alto, simpático, sempre vestido com uma túnica clara.
INFANTILIZAÇÃO
É, no fundo, uma opção que revela desconfiança do diretor na capacidade de compreensão do público, um traço típico da produção cada vez mais infantilizada da televisão.
Daniel Filho, um dos "magos" da Rede Globo nos anos 80 e 90, percorre um caminho curioso desde que perdeu espaço na última década. Tornou-se o capitão do braço cinematográfico da emissora, emplacando um sucesso atrás do outro. Agora, com a exibição de "Chico Xavier" na televisão, deixa claro que nunca saiu de casa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...