sábado, 2 de julho de 2011

Livro compila 115 anos de cinema gay com comentários sobre 270 filmes

Heitor Augusto /UOL


É fato que a pesquisa contida em Cine Arco-Íris é dedicada, extensa e abarca 115 anos de filmes com personagens homossexuais, bissexuais ou transexuais. Não faltam exemplares de cinematografias diversas: vamos do predomínio de produções americanas a um exemplar isolado do cinema tailandês (Apichatpong Weerasethakul), passando por alguns argentinos (Lucía Puenzo e Marcelo Piñeyro), alemães (Fassbinder) e portugueses (João Pedro Rodrigues), muitos italianos (especialmente Pasolini), franceses e brasileiros.

Também não faltam escolhas corajosas, como incluir dos filmes de Hitchcock, Festim Diabólico e Rebecca – A Mulher Inesquecível, que não vão além das insinuações. Ou Spartacus, de Kubrick, e Conta Comigo, de Rob Reiner, e em que o homoerotismo é subliminar. Isso para dizer que a escolha dos cerca de 270 filmes que integram o livro é muito interessante e tem mínima sofisticação de olhar. Outra opção acertada é dividir as produções por décadas, permitindo ao leitor perceber a evolução da liberdade homossexual no cinema.Mas, se capricha no trabalho de pesquisa, Cine Arco-Íris não empolga nos textos. Autor do livro, o jornalista Stevan Lekitsch deixa transparecer uma predileção pelo cinema clássico e seus filhotes, opção que, por si só, não implicaria problema algum. O senão surge quando o texto torce o nariz para quem foge do padrão.Matou a Mulher e Foi ao Cinema, de Bressane, recebe um comentário que começa com “O filme é estranho, meio sem pé nem cabeça” e se encerra com “Mas fica só nisso, porque o filme é completamente bagunçado”. Brincadeira, né? Ou sobre Amarelo Manga, um anti-cartão-postal de Recife, sobre o qual Lekitsch diz “Se não fosse brasileiro, poderíamos jurar que se tratava de um filme de Almodóvar”. Como assim?E sobre O Menino e O Vento, de Carlos Hugo Christensen: “De beleza plástica incomparável (mesmo em preto e branco)”. Quer dizer que antes do advento do cinema colorido não houve filmes de “beleza plástica incomparável”? Qual é a relação entre um e outro? Por ser em preto e branco, um filme como Tetro não chegaria ao deleite estético de um Nicholas Ray ou Carlos Saura?

A presença de Spartacus é uma das escolhas interessantes do livro de Stevan Lekitsch
No prefácio, o jornalista Marcos Brandão defende que “o maior mérito deste livro não está no que se diz sobre este ou aquele filme, e sim em sua declarada intenção de seduzir o leitor a conhecer, ou rever, o maior número possível deles e, assim, elaborar e emitir seu próprio julgamento de valor”. Estranha argumentação que trata postura acrítica como sinônimo de sedução. Uma das predileções da crítica, como define Michel Ciment, é justamente compartilhar filmes e leituras.Em Cine Arco-Íris, Lekitsch parece não se decidir entre a construção de um guia que compile os principais filmes que esbarrem na temática LGBT ou numa reunião de comentários mais aprofundados sobre os 270 filmes citados. Na maioria das vezes, enche o já escasso espaço para cada produção com comentários supérfluos (se ganhou Oscar, se o ator ou atriz era lindo, conta-se muito do enredo, valor do orçamento etc). Fica num complicado intermediário entre guia com informações técnicas com curiosidades e texto superficialmente opinativo.

Sobre O Segredo de Brokeback Mountain, Lekitsch se limita a comentar enredo e boatos de bastidores
O máximo de análise fílmica em que chega é um apanhado de lugares-comuns: “direção firme”, “filme forte”, “boas interpretações”, “denso”. Um cinema como o de John Walters, por exemplo, passa como bizarro e esquisito, sem se cogitar que, naquele momento, seu grande desejo era cutucar o establishment. Outro senão ao livro é a ausência de três filmes e de um cineasta em específico: Good Bye, Dragon Inn, de Tsai Ming-Liang; o icônico Romance, de Sérgio Bianchi, melhor filme brasileiro sobre o ser gay nos anos 80; e Onde Andará Dulce Veiga, de Guilherme de Almeida Prado. Porém, a limitação de espaço é uma característica inerente e sempre haverá reclamações. Mas uma ausência imperdoável é ao menos uma menção ao cinema de Jacques Nolot, de Avant que J’oublie e La Chatte a Deux Têtes: trata-se do mais agressivo cineasta homossexual da atualidade, que trata o sexo de maneira delirante e mercantilizada, ao mesmo tempo.
Fica para a próxima edição.
Serviço
Cine arco-íris – 100 anos de cinema LGBT nas telas brasileiras
Autor: Stevan Lekitsch
Editora: Edições GLS
Preço: R$ 65,90
Páginas: 272 (17 x 24)
ISBN: 978-85-86755-48-4

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