DIOGO BERCITO/FOLHA/ENVIADO ESPECIAL A ANGOULÊME (FRANÇA)
O recital privado de Riyoko Ikeda, 63, que cantou na segunda-feira no palácio de Versalhes, é repleto de detalhes que fazem do evento uma ocasião inusitada e possivelmente sem repetição.
A autora de mangás é conhecida por fazer poucas aparições públicas --isso mesmo em comparação com a cena cultural japonesa, em que mangakás estão entre as personalidades mais ricas, influentes e requisitadas.
Outro traço marcante do acontecimento é o repertório do recital, composto pela rainha francesa Maria Antonieta (1755-1793). Afinal, Ikeda se tornou uma popstar no Japão justamente por retratar a Revolução Francesa --que terminou com Antonieta decapitada-- em "Rosa de Versalhes", clássico dos anos 70.
"Acho que sou a única pessoa no mundo que vai ter esse privilégio", diz a autora à Folha, durante o festival internacional de quadrinhos de Angoulême, ao qual ela foi como convidada de honra devido à afinidade entre si e a cultura francesa.
Cercada por uma entourage protetora, Ikeda surpreendeu ao se mostrar acessível aos fãs que a reconheceram nas ruas frias da capital das HQs. Deixou-se fotografar com fãs e assinou exemplares de "Rosa de Versalhes". Aos 63 anos, décadas após a publicação do mangá que garantiu sua fama, Ikeda também chamou a atenção pelos modos elegantes e pelo ar jovial. "Em termos de energia espiritual, sou a mesma de quando publiquei 'A Rosa de Versalhes'", diz. "Mas, fisicamente, envelheci muito." As edições de "Rosa de Versalhes" são marcadas pela força emocional que Ikeda afirma se manter inalterada ao retratar romances proibidos e complicados. A protagonista do gibi é Oscar, garota criada como homem para poder suceder o pai como líder dos guardas do palácio. Além da confusão de gêneros, há insinuação de relações homossexuais entre personagens, o que levou o mangá a receber duras críticas na época de sua publicação e ainda hoje.
"A sociedade japonesa é muito conservadora", diz Ikeda. "É muito diferente, por exemplo, da França."
"Rosa de Versalhes" é o 14º mangá na lista de mais vendidos da história dos gibis japoneses, e é apontado como influência para a produção subsequente do país. "Acredito que meu trabalho tem um efeito terapêutico nas pessoas", afirma. O mangá tem também apoio sólido na pesquisa histórica da mangaká, garantindo um pano de fundo crível.
"Quando escrevi 'Rosa de Versalhes', li muitos livros, foi difícil", diz. "Hoje, uso a internet, mas não é o ideal. Eu venho de uma geração de leitores, gosto de passar o tempo virando páginas."
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