- Após aborto espontâneo, britânica Charlotte Solomon descobre que gravidez virou câncer
"Complicação rara"
A gravidez molar acontece quando há um problema no momento da fertilização. Em vez de receber 23 cromossomos do pai e 23 da mãe, em uma gestação molar completa o óvulo fertilizado não contém nenhum material genético da mãe e o do pai é duplicado. Neste caso, não há embrião, mas uma massa de cistos, chamada de mola hidatiforme.No caso de Charlotte, uma gestação molar parcial, o óvulo fertilizado tem o conjunto normal de cromossomos da mãe, mas o dobro do pai, gerando um total de 69 cromossomos no lugar dos 46 normais. Isso pode acontecer quando os cromossomos do espermatozóide são duplicados ou quando dois espermatozóides fertilizam o mesmo óvulo.O embrião pode começar a se desenvolver, mas não tem como sobreviver.Não se sabe exatamente o que causa a gravidez molar, mas especialistas dizem que ela tem fundo imunológico e ocorre com maior frequência entre populações mais pobres.Enquanto a incidência do problema em países desenvolvidos fica em torno de uma em mil gestações, no Estado do Rio de Janeiro estima-se que esse número chegue a uma em 200 gestações, segundo cálculos do médico Paulo Belfort, diretor do Centro de Neoplasia Trofoblástica Gestacional, nome científico da gravidez molar, na Santa Casa da Misericórdia.Câncer
Mulheres com o problema inicialmente apresentam sintomas normais de gravidez. A partir das seis semanas de gestação, no entanto, a mulher pode ter sangramentos e seus níveis do hormônio da gravidez - o hCG - ficam muito mais elevados que o normal. Após o aborto espontâneo ou por curetagem, na grande maioria dos casos as células anormais desaparecem e os níveis de hCG voltam a zero.Mas, na Grã-Bretanha, em 16% dos casos de mola hidatiforme e em 0,5% dos casos de molas parciais, o tecido anormal no útero se torna cancerígeno e pode se espalhar rapidamente pelo corpo.No Brasil, não há estatísticas oficiais, mas segundo o especialista Paulo Belfort, esses índices estariam em torno de 23% e 5%, respectivamente, no Rio de Janeiro.Quimioterapia
Quando uma gravidez molar é diagnosticada, o procedimento normal é que haja um acompanhamento da paciente com exames periódicos de sangue e urina.Charlotte Solomon não estava particularmente preocupada porque seu médico disse que era extremamente raro que uma mola parcial, como a que ela teve, se transformasse em câncer.Ainda assim, um mês depois do aborto espontâneo, Charlotte recebeu um telefonema do hospital e, após confirmar o resultado com novos testes, ela teve de começar a quimioterapia no mesmo dia.Ao todo, foram nove meses de tratamento contra o câncer, com três tipos diferentes de quimioterapia. Na fase final, ela chegou a passar 17 horas recebendo uma combinação de remédios intravenosos.Charlotte parou de trabalhar e se fechou para o mundo. Apenas dois anos após seu casamento, ela teve de raspar a cabeça e viu seu corpo, antes atlético, se transformar.
Mulheres nuas
Em abril deste ano, ela finalmente recebeu a notícia de que estava livre do câncer. "Ainda hoje, me sinto ansiosa e não sou a mesma pessoa de antes. Meu sistema imunológico ainda está enfraquecido e, apesar de estar de volta ao trabalho, estou longe do meu ritmo normal", disse Charlotte.A experiência acabou inspirando a britânica a ajudar o Hospital de Charing Cross - centro de referência para o tratamento da condição na Grã-Bretanha - a conseguir fundos para uma pesquisa inovadora. "A equipe do hospital foi absolutamente incrível comigo e acho fundamental tentar ajudar pessoas que, infelizmente, vão ter de passar pelas mesmas coisas que passei. Tenho sorte de ter amigas maravilhosas, que ficaram ao meu lado durante a doença e que aceitaram posar nuas para um calendário para ajudar a arrecadar dinheiro para pesquisa."Charlotte e 28 amigas foram fotografadas para o calendário "Get Naked 2012" por Chris Dunlop, que trabalha para revistas como Vogue e Vanity Fair. Até o momento, Charlotte já conseguiu o equivalente a R$ 170 mil, muito acima de sua meta inicial, mas o projeto custa R$ 5,6 milhões no total.Pesquisa de ponta
A equipe do Hospital de Charing Cross está tentando encontrar um marcador biológico que permita que os médicos identifiquem desde o princípio quais molas vão desaparecer e quais vão se transformar em câncer, além de ajudar a determinar que tipo de quimioterapia seria mais eficiente para cada caso."Isso é o que se busca em todo o mundo. A pesquisa é absolutamente bem-vinda e necessária", diz Paulo Belfort, que acredita que a doença não recebe a atenção necessária no Brasil por ser considerada muito rara.Enquanto se esforça para arrecadar dinheiro para pesquisa, Charlotte espera ansiosamente o prazo de um ano recomendado pelos médicos para tentar engravidar novamente. "É muito difícil esperar, mas se eu engravidasse agora, os médicos não saberiam se o nível alto dos hormônios se deve ao bebê ou à reincidência do câncer. Tenho que esperar, já que a minha saúde vem em primeiro lugar."
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