segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Clint Eastwood aborda com ousadia a vida do criador gay do FBI

LUCIANA COELHO/FOLHA
DE WASHINGTON

Fazer um filme de amor sobre J. Edgar Hoover, o homem que criou o FBI e comandou duas versões da instituição por 48 anos enquanto retorcia a Constituição norte-americana para espionar, perseguir e chantagear, é uma ideia improvável.
Há, na figura de Hoover (1895-1972), quase nada da suavidade ou da volúpia de que histórias assim carecem. Mas, ao abordar o relacionamento de décadas entre ele e seu número 2, Clyde Tolson, "J. Edgar" trata mesmo de improbabilidades. A mais surpreendente não é a ousadia da ideia (não há indício concreto de que Hoover fosse gay, mas suspeitas emanam de seu estilo de vida: perseguia gays e quem o chamasse de gay; nunca se casou nem namorou publicamente; viveu com a mãe até os 43, quando ela morreu; sua companhia constante era Tolson, seu herdeiro).

É a tremenda humanidade injetada no personagem central por Leonardo DiCaprio (pode esperar um Oscar pela atuação), que, ao tentar explicar a obsessão de Hoover por segredos, constrói um sujeito movido a angústia, às vezes mesquinho, às vezes grandioso, muito inseguro e tão implacável quanto profundamente infeliz. De uma boa lavra de filmes políticos, "J. Edgar", que estreia no Brasil em janeiro, entrecorta a linha temporal para narrar a vida de Hoover de quando ele entrou no Birô de Investigação, predecessor do FBI, em 1919, até sua morte, em 1972, de infarto. Ampara-se para tanto em três laços centrais: com Tolson (o competente Armie Hammer, que faz os gêmeos de "A Rede Social"), com a mãe, Anna Marie (Judy Dench, fantástica), e com a secretária que o serviu por 40 anos, Helen Gandy (Naomi Watts).

Keith Bernstein/Associated Press
ORG XMIT: NYET287 In this image released by Warner Bros. Pictures, Leonardo DiCaprio, left, and director Clint Eastwood are shown on the set of "J Edgar." DiCaprio portrays FBI director J. Edgar Hoover in Eastwood's moving and controversial biopic in theaters Wednesday, Nov. 9. (AP Photo/Warner Bros. Pictures, Keith Bernstein)
O ator Leonardo DiCaprio (à esq.) e Clint Eastwood durante as filmagens de "J. Edgar", que estreia no Brasil em 2012

Mas no roteiro ambicioso de Dustin Lance Black e na direção delicada e firme de Clint Eastwood, a homossexualidade de Hoover é asséptica, sem sexo (exceto um fictício beijo), e tão exasperante que quase dói assistir. O casamento perfeito da sobriedade de Eastwood com o ativismo apaixonado de Lance Black, os dois em campos opostos do espectro político, é aliás a outra improbabilidade feliz do filme.
Se o roteirista destrava o que o diretor quer suprimir, o diretor apara o que o roteirista quer desbragar. (Pense em trabalhos emblemáticos dos dois, "Gran Torino" e "Milk - A Voz da Igualdade").
Sem a dicotomia, seria impossível conceber um filme da suposta homossexualidade de Hoover sem cair no ridículo ou no inverossímil.

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