quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

TONY GOES-Rita Lee e a encaretação do Brasil

Estou apavorado com a reação dos internautas ao que aconteceu com Rita Lee em Aracaju. A maioria dos comentários que leio por aí são veementemente contrários à cantora. Rita é chamada de criminosa e incitadora à desordem pública, e comparada até mesmo a assassinos e pedófilos. Menos, né, gente?
Para alguém com tantos anos de estrada como eu, este é só mais um sinal de como nosso país encaretou nos últimos anos. A cultura brasileira se tornou mais conservadora, mais tradicional, muito menos transgressora. Quando foi que isto começou? Em meados dos anos 90, com a ascensão de Sandy e Junior? A dupla mirim pregava abertamente as virtudes da castidade. Hoje adulta e casada, Sandy não consegue se livrar da imagem de santinha. Qualquer declaração sua é imediatamente "trollada" na blogosfera.
Sandy e Junior são apenas um sintoma, claro. Podemos apontar várias causas para esta virada conservadora: o crescimento da classe C, a partir do plano Real; a ascensão das igrejas evangélicas; uma reação natural à "libertinagem" dos anos 60 e 70; a disseminação da AIDS, e assim por diante.
Muitas pesquisas comprovam que o jovem brasileiro de hoje é mesmo mais conservador que o de algumas décadas atrás. Poucos pensam em estilos alternativos de vida: a maioria quer ganhar dinheiro logo, se casar e ter 2.3 filhos, como nos comerciais de margarina. Essa garotada não viveu sob a ditadura militar, então não sabe o que é repressão para valer. Além do mais, a internet permite que neguinho dê vazão a seus instintos autoritários numa boa, protegido pela rapidez e pelo anonimato. Ao meu ver, Rita Lee encerrou com chave de ouro sua carreira nos palcos. Sua reação à ação dos policiais que achacavam o público de seu show em Aracaju foi emocional e exagerada, sim, mas totalmente coerente com sua trajetória. Rita teve inúmeros precalços com a polícia ao longo da carreira e é natural que sinta "paranoia", como ela mesma disse, ao ver tanta polícia misturada à sua plateia. Não, não acho que só pelo fato de ser artista ela tenha o direito de dizer qualquer coisa. A lei vale para todos. Mas também acho a reação da polícia sergipana foi absurdamente desproporcional: pelo que contou Roberto de Carvalho em seu perfil no Facebook (que é liberado para todo mundo), ele e Rita foram praticamente sequestrados à saída do show, num ato claro de intimidação. Parece que até o Estatuto do Idoso foi violado (Rita tem 67 anos).
Mas para mim o mais apavorante nem é a reação truculenta da polícia. É o coro de apoio que ela vem recebendo na internet, como se Rita Lee fosse membro da al-Qaeda ou coisa que o valha. Não é, gente: é uma roqueira das antigas, que mantém o espírito libertário e desafiador, não uma cantorazinha pré-fabricada e sem ideias na cabeça.
Mas muitas pessoas não entendem assim. Tenho medo, muito medo deste Brasil caretão que está surgindo.
Tony Goes tem 50 anos. Nasceu no Rio de Janeiro mas vive em São Paulo desde pequeno. É publicitário em período integral e blogueiro, roteirista e colunista nas horas vagas. Escreveu para vários programas de TV e alguns longas-metragens, e assina a coluna "Pergunte ao Amigo Gay" na revista "Women's Health". Colaborador frequente da revista "Junior" e da Folha Ilustrada, foi um dos colunistas a comentar o "Big Brother 11" na Folha.com.

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