Paulo Costa Lima
De Salvador (BA)
A presença de Adele em Someone like you tem um algo mais que fascina quem passa por perto. A canção parece perfeita para projetar esse traço indefinível. É algo que vai além de sua beleza quase rechonchuda, de sua voz - emoção quase perturbadora que vem de um lugar lá dentro...
E mesmo um pequeno deslize de afinação, tal como vemos no vídeo Brit Awards 2011, fica bonito. Ela meio que sorri e vai adiante, poucos poderiam fazer isso e ainda sair ganhando...
Pois bem, foi a cantora estrangeira que mais vendeu no Brasil em 2011. E depois de ver e ouvir essa canção várias vezes, embarco num projeto meio estranho - analisar a canção, comparando a dor de cotovelo de ontem com a de hoje.Mas isso só me ocorreu porque acordei com uma velha melodia na cabeça: "alguém me disse, que tu andas, novamente / com novo amor, nova paixão, toda contente..." (Jair Amorim e Evaldo Gouveia, 1960). 'Tu andas' é flórida - ciúme parnasiano na voz de Anísio Silva, Maysa, Gal Costa e agora mais recente, Ana Carolina (que dá um revertério na coisa toda)
Então, é como se Adele fosse uma Maysa rediviva, transforma a luz que a ilumina em algo pungente, uma dor que perpassa a canção, e se faz presente em sua própria imagem - no traje preto que emoldura face e colo, no brilho desconcertante dos brincos, no olhar, e, sobretudo, na voz de uma rouquidão expressiva até a medula da alma.E isso sem falar no sotaque - a palavra 'instead', que é tão britânica, vira uma pequena sinfonia de vogais...(sometimes it lasts, but sometimes it hurts instead) - às vezes dura, porém, às vezes (ao invés, instead) fere.O eu lírico, (ou deveríamos dizer o corno lírico?) não muda muito. Então, em termos de metodologia, as diferenças encontradas serão marcas importantes da passagem do tempo:
O desolamento da canção deve muito a esse gesto de piano, que está presente da introdução ao último suspiro. O gesto é do tipo 'Baixo D'Alberti', nome dado em homenagem a Domenico Alberti (1710-1740) - coitado, viveu apenas 30 anos, mas criou algo que nos persegue e às vezes encanta até hoje.Essa fórmula de acompanhamento foi criada como parte de um programa estético que pretendia deixar a voz cantante mais livre, assumindo toda a responsabilidade pela harmonia. E agora, no pós-pop de Adele, cumpre exatamente essa função, como se fosse uma Sonata ao Luar, onde a lua é a própria cantora, com sua pele branca e tristeza gutural.
Paulo Costa Lima é compositor. Bacharel e Mestre (University of Illinois), Doutor (USP e UFBA). Professor de Composição e Análise - UFBA. Pesquisador-CNPq. Membro da Academia de Letras da Bahia. Apresentações de sua obra musical (em 2010) incluiram festivais no Brasil, China, Suécia, Estados Unidos e França.
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