Depois da visita, Oprah contou aos jornalistas que, ao assistir a uma das cirurgias espirituais, pensou que fosse desmaiar.
Acompanhamos a romaria de pessoas que vêm até do exterior para se tratar com um médium brasileiro. Por que elas acreditam que ele tem o poder da cura? Esta semana, até a mais famosa apresentadora de televisão dos Estados Unidos veio falar com ele.
Uma multidão de branco reunida em um templo. Dentro de uma sala, quase escondida, está Oprah Winfrey. O que a apresentadora de televisão mais famosa do mundo, dona de uma fortuna de quase US$ 3 bilhões, foi fazer no interior de Goiás?Em dezembro de 2010, a americana exibiu no extinto ‘The Oprah Winfrey Show’ uma reportagem gravada pela equipe do programa sobre o médium João de Deus, que realiza supostas cirurgias espirituais na cidade de Abadiânia, a 115 quilômetros de Brasília. Ela ficou tão impressionada que quis conhecê-lo pessoalmente. O encontro aconteceu na última quinta-feira.Depois da visita, Oprah contou aos jornalistas que, ao assistir a uma das cirurgias espirituais, pensou que fosse desmaiar. "Foi incrível, não tenho palavras", disse ela.
Mas quem é o homem que deixou a comunicadora sem palavras?
João de Deus nasceu João Teixeira de Faria. Ele é goiano, alfaiate, não sabe ler nem escrever.
Tem quase 70 anos de idade e diz que é médium há mais de 50 anos.Em 1976 abriu as portas da casa Dom Inácio de Loyola, onde, segundo conta, incorpora entidades espirituais capazes de operar como médicos, tratar e curar doentes.
“Que força é essa? Eu falo, é força de Deus. Porque eu não tive professor. Professor é Deus”, conta.
João de Deus chegou a visitar o ex-presidente Lula, no início do ano, no Hospital Sírio-Libanês, quando ele se recuperava de um câncer. A assessoria de Lula, no entanto, não confirma se houve tratamento espiritual.Sem anestesia, ele faz um corte na barriga de uma mulher que veio do Rio Grande do Sul. A expressão é de dor.“Na verdade, foi só uma raspagem, que ele falou que ia fazer, que eu tinha uma infecção ali. A hora que ele puxou o ponto ali ardeu, mas nada de dor, como se fosse um corte mesmo, sabe? Para quem não acredita, nenhuma palavra basta, é fé mesmo”, relata a jornalista Camila Dri.A espécie de hospital espiritual recebe cerca de mil pessoas por dia. Elas recebem diagnósticos e até prescrições de remédios por parte do médium.
“Eu vim porque sou diabética. Eu vim ver se através das orações, do tratamento espiritual eu consigo sair desse monte de medicação que eu tomo”, diz uma mulher.“É a primeira vez minha, eu não imaginava que fosse ver tanta gente da Suíça, da Alemanha, dos Estados Unidos, Austrália... Muita gente”, impressiona-se uma mulher.A presença de estrangeiros é tão grande que não faltam placas bilíngues em Abadiânia. Os colaboradores de João de Deus também estão preparados para orientar as meditações em inglês e até em alemão.A fé dos turistas mudou a economia da pequena cidade de Abadiânia. Nos arredores da casa Dom Inácio de Loyola, praticamente só existem pousadas, hotéis e lojas, que sobrevivem da intensa procura de pessoas que passam dias em tratamentos espirituais.
As consultas não são cobradas. Mas ao lado da casa funciona uma farmácia, que só aceita pagamento em dinheiro.
“Eu não tenho nada contra a igreja que recebe seu dízimo. Eu não tenho nada contra a doação que eles fazem para as igrejas. Cada um é a consciência da pessoa”, diz João de Deus.Os métodos de João de Deus já foram questionados e viraram até caso de polícia. Está sendo investigada, a pedido do Ministério Público em Abadiânia, a morte da austríaca Marta Rauster, de 58 anos. Segundo testemunhas, no dia 2 de fevereiro passado, ela passou mal e morreu dentro da casa Dom Inácio de Loyola.Os funcionários afirmam que, na data, João de Deus estava fora. O delegado que investiga o caso percebeu dois atos ilegais neste episódio.
“O corpo foi transferido da casa em Abadiânia diretamente pra Goiânia. É um fato que é proibido por lei municipal, já que o serviço deveria ser realizado por uma agência funerária da cidade. E o fato também de ter sido um carro descaracterizado chamou muito a atenção”, observa o delegado Manoel Vanderic.Outra morte suspeita aconteceu em 2003. Um jornal de Goiânia diz que o americano Javier Villa Real Bustus, que lutava contra a Aids, trocou o tratamento médico pelo espiritual. O caso ainda está em fase de inquérito.O Conselho Federal de Medicina faz um alerta. “A prática religiosa não pode ser exercida de modo inseguro à saúde do cidadão. Cirurgias em ambientes contaminados, prescrições terapêuticas indevidas, suspensão de tratamentos médicos configuram-se como formas temerárias de manifestação religiosa e que, naturalmente, adentram no campo da ilegalidade”, diz Carlos Vital, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina.O médium também defende que os remédios convencionais não sejam abandonados durante o tratamento.
“Peço a toda pessoa que está recebendo essa energia de Deus, que vá aos médicos, use os remédios que os médicos pedirem”, defende-se João de Deus.Segundo a polícia, o médium também responde a ação penal por atentado violento ao pudor. O processo corre em sigilo. João de Deus nega todas as denúncias. Já tem compromissos internacionais agendados e continua atraindo uma multidão que se impressionam com casos como o de um alemão. Depois de um acidente de trabalho, ele ficou sem andar por dez anos. Está há cinco meses na casa Dom Inácio de Loyola e hoje já consegue dar alguns passos.“Configura-se aí, se o indivíduo não é médico, um exercício indevido e ilegal da medicina”, acrescenta Carlos Vital.
“Tenho esperança. Quer dizer, a última luzinha no final do túnel”, diz uma mulher.
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