quinta-feira, 23 de agosto de 2012

'Ele não seria Nelson Rodrigues se não tivesse nascido no Recife', diz filha

Exposição 'Ocupação Nelson Rodrigues' celebra o centenário do escritor.
Aúdio, vídeo, fotos e trechos de obra revelam ligação com a cidade.

Katherine CoutinhoDo G1 PE

Nelson Rodrigues (Foto: Reprodução / TV Globo)Nelson Rodrigues (Foto: Reprodução / TV Globo)
Dramaturgo, jornalista, escritor. Crítico, sarcástico, doce, polêmico, gênio. As palavras para definir Nelson Rodrigues são inúmeras, até mesmo a filha Maria Lúcia Rodrigues concorda: ele é muito complexo para ser definido com uma palavra só. Nesta quinta-feira (23), é comemorado o centenário de Rodrigues. Para celebrar a data, a Torre Malakoff, no bairro do Recife Antigo, abre suas portas nesta noite para esse pernambucano que nunca esqueceu suas origens com a exposição ‘Ocupação Nelson Rodrigues’.
A data não foi escolhida por acaso, conta Maria Lúcia, que é também curadora junto à sua filha Sonia Muller. “Deu muito trabalho fazer a exposição sair nesse dia. Ele [Nelson Rodrigues] saiu aqui do Porto do Recife em 1916. A ideia é que ele voltasse para o Recife pelo Porto também e a Torre é bem em frente ao Porto”, conta Maria Lúcia. A parte audiovisual do projeto foi desenvolvida pela filha, Sonia.
'Ocupação Nelson Rodrigues' chega a Torre Malakoff nesta quinta-feira (23) (Foto: Ivson / Divulgação)'Ocupação Nelson Rodrigues' chega a Torre Malakoff nesta quinta-feira (Foto: Ivson / Divulgação)
Embora tenha passado a maior parte da vida no Rio de Janeiro, Nelson Rodrigues trazia até o final da vida parte do sotaque pernambucano e gírias que eram usadas apenas em sua terra natal. “Eu busquei mostrar a importância do Recife na vida dele. Ele não seria Nelson Rodrigues se não tivesse nascido no Recife. O desassombro, a coragem para expressar suas opiniões, a firmeza, ele ganhou aqui. Ele seria completamente diferente se tivesse nascido em outro lugar, o texto, a capacidade de observação, a ironia, não seria a mesma coisa”, acredita a filha do escritor.
Durante a vida, Maria Lúcia sempre teve a sensação da importância de Pernambuco para o pai, mas foi através das pesquisas para organizar a exposição que ela constatou a veracidade da suposição. “Eu estava pensando e acredito que o jeito do meu pai pensar era realmente o esquema de pensamento que é do pernambucano, é uma coisa assim, que conduziu a forma dele escrever e se comportar como intelectual, a originalidade, a acuidade em observar a sua sociedade, que é típica do intelectual pernambucano da época dele”, explica a curadora.
Exposição reúne acervos, jornais, pôsteres, revistas, entrevistas – sonoras, visuais e impressas. (Foto: Ivson / Divulgação)Exposição reúne acervos, jornais, pôsteres, revistas e  entrevistas. (Foto: Ivson / Divulgação)
O processo para elaborar a exposição, que conta com acervos, jornais, pôsteres, revistas, entrevistas – sonoras, visuais e impressas -, contou com uma extensa e intensa pesquisa. “Deu muito trabalho pelo caminho que eu escolhi. Queria que meu pai falasse, não que eu ou outra pessoa falasse por ele. Foi necessário buscar as memórias e depoimentos dele, fui para a Biblioteca Nacional para garimpar os textos dele. Queria que as pessoas mais jovens tivessem a oportunidade de conhecer as crônicas, o ‘Consultório Sentimental’”, diz Maria Lúcia.
Família
Uma árvore genealógica da família Rodrigues faz parte da exposição que entra em cartaz nesta quinta na Torre Malakoff. O motivo, explica a filha do escritor e curadora, é a ligação do pai com a família e a importância que tinha para ele. “Meu pai nasceu em uma família de jornalistas. Todos eram pessoas muito talentosas. Além disso, eles se gostavam muito, eram muito unidos, o que fez com que suportassem as tragédias que aconteceram na vida”, diz.
O processo como um todo foi um desafio para a filha, que perdeu o pai em 1980. “Foi muito doído, sofrido, mas também engraçado. Eu lembrava de coisas que ele dizia, do jeito dele. Eu não tinha dimensão do quanto ele tinha sofrido por esse caminho que ele escolheu, por não se conformar com as coisas, não baixar a cabeça. Eu não tinha ideia. Adulta e lendo em outro momento, doeu de saudade mesmo. Ele era uma pessoa formidável, era um fofo”, se derrete a filha.
Por sinal, se tivesse que escolher uma única palavra para o pai, Maria Lúcia escolheria ‘bondade’. “Meu pai era o amor da minha vida. Ele é muito complexo para definir numa palavra só, mas ele era de uma bondade incrível. Trabalhava em três, quatro jornais – para você ter uma ideia, ‘A vida como ela é’ tem mais de três mil contos – para poder ganhar melhor, mas não podia ver alguém com uma história triste, que dava dinheiro para ajudar”, lembra.
Apesar dos textos recheados de ironias, Nelson Rodrigues era uma pessoa que não gostava de briga de forma alguma. “Nós cariocas gostamos de discutir, dizer que não gosta, que gosta, somos mais derramados. Meu pai não, era educadíssimo mesmo com a oposição mais sórdida. Ele não partia para a briga e olha que inventaram alguns apelidos bem ‘sacanas’ para ele. Meu pai sempre teve essa elegância pernambucana”, conta Maria Lúcia.
Com recursos tecnológicos que permitem a aproximação do público com Nelson Rodrigues, a exposição tem cenografia de Valdy Lopes e organização do Itaú Cultural. Devido a dimensão, a Torre Malakoff, que funciona apenas de terça a sexta, vai abrir também aos finais de semana e feriados durante o período em que a mostra vai ficar em cartaz. “O público pernambucano está tendo a oportunidade de ver uma exposição de primeiríssimo mundo. Ela tem uma abordagem diferenciada, mais intimista”, adianta a gestora da Torre, Fátima Bulcão.
Na sexta-feira (24), às 17h30, acontece uma mesa com o tema ‘Nelson Rodrigues e o Ridículo da Unanimidade’, tendo como convidados José Luiz da Mota Menezes e Maria Lúcia Rodrigues, além de Sônia Sobral como mediadora. Após a conversa, acontece o lançamento da revista ArtFliporto e das novas edições de obras de Nelson Rodrigues. A entrada para a mostra e para os outros eventos é gratuita.
Serviço:
Torre Malakoff - Praça Artur Oscar, Recife Antigo.
De 23 de agosto a 21 de outubro.
Terça a sexta, de 10h às 19h. Sábados, domingos e feriados, das 14h às 19h.
Entrada gratuita.
Informações: (81) 3184-3180 / 3184-3181

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