sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Escrita por comunista, "O Bem Amado" teve 37 capítulos retalhados pela censura

James Cimino Do UOL, em Brasília

No próximo dia 24 faz exatos 40 anos que estreou a primeira novela a cores no Brasil. Era "O Bem Amado", folhetim de Dias Gomes que incomodou os militares por satirizar o coronelismo na figura de um prefeito, corrupto, autoritário e populista, Odorico Paraguaçu, interpretado com maestria por Paulo Gracindo. Na verdade, quem mais incomodava era o autor, um comunista que usava seus textos como forma de combater os desmandos da ditadura. Tanto que quando a novela terminou, em outubro de 1973, teve 37 de seus 178 capítulos retalhados pelos censores.

Segundo o doutor em teledramaturgia brasileira e latino-americana pela USP, Mauro Alencar, que também adaptou a novela para um livro, um dos capítulos, o 115, teve 14 páginas inteiras cortadas. Para se ter uma ideia, um capítulo de quinta-feira de "Salve Jorge" tem 32 páginas. Os de quarta, mais curtos por causa do futebol, têm em média 22. E Gomes não perdia a chance de provocar. Além de desobedecer a ordem de fazer com que "O Bem Amado" fosse uma novela de época (para evitar quaisquer semelhanças com fatos reais), ainda fazia questão de usar as patentes militares "coronel", em referência a Odorico, e "capitão", em referência a Zeca Diabo, o pistoleiro vivido por Lima Duarte.

"A linguagem (e possíveis mensagens subliminares) era o grande temor de censores. Pautados por este vetor, muitas vezes os relatórios da censura cortavam diálogos e palavras que possibilitassem dubiedade. No capítulo 145, por exemplo, um dos vetos se refere à cena em que Odorico se compara a Patrice Lumumba [líder congolês responsável pela independência do Congo em 1960]." Em termos de moral, os censores implicaram com o comportamento de personagens como Telma (Sandra Bréa), que foi taxada de libertina e, novamente, com Odorico. O que escandalizava os agentes era o flerte do prefeito com as três irmãs Cajazeiras. Por fim, conta Mauro Alencar, outro episódio que incomodou foi o "Sucupiragate", em que Odorico instala microfones na sacristia da Igreja Matriz para descobrir segredos dos inimigos. "Nesse caso, a trama sofreu diversos cortes por ‘violação do segredo da confissão’." A censura de hoje Neste quinto capítulo da série sobre censura às novelas, a reportagem do UOL conversou com o filho de Paulo Gracindo, o também ator Gracindo Jr.

Ele tentou relembrar alguns fatos ocorridos nos bastidores da trama com a ajuda dos laudos da censura. Durante a conversa, encontrou semelhanças entre a censura e a forma com que a rede Record trata outras religiões em suas novelas. "Eles queriam formatar uma realidade por meio da novela. É mais ou menos o que a Record faz com outras religiões em seus folhetins. Não existe casamento em Igreja Católica. E se eu tiver um personagem judeu, ele não vai poder se casar em uma sinagoga? Isso também é um tipo de censura", afirma o ator. Ele conta ainda que sua postura contestadora fez com que fosse perseguido e impedido de sair do país com apenas 18 anos. O pai, no entanto, não enfrentava nem colaborava com o regime. Apenas ria. "Meu pai era muito inteligente e bem humorado. Eles [os militares] eram motivo de piada entre nós. Para eles era muito desagradável o retrato que o Dias Gomes fazia dos políticos do Nordeste, mas se você for para Maceió, que é a terra do meu pai, encontra vários Odoricos, vários Nezinhos do Jegue [personagem Wilson Aguiar e principal cabo eleitoral de Odorico]."


 

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